O título também poderia ser: “Por que a representação (inclua qualquer minoria aqui) te incomoda?”
(TW: Prints e menções de comentários homofóbicos)
Semana passada foi lançado o tão esperado Mortal Kombat X. Além da polêmica da dublagem, teve uma outra que aconteceu e andou incomodando alguns gamers.
Depois de 23 anos de Mortal Kombat, pela primeira vez, temos um personagem gay: Kung Jin. Depois de alguns jogadores terem suspeitado, um dos diretores, Dominic Ciancialo, confirmou em seu twitter:
Tradução: “Eu vi que algumas pessoas entenderam a sutil exposição no flashback de Kung Jin. Estou feliz que temos fãs observadores!”. A informação aparece durante o modo história do jogo, não darei mais detalhes por causa de spoilers.
Normalmente eu sigo uma regra muito simples em notícias como essas: não leia os comentários. É sempre preconceito atrás de preconceito. Mas no dia que saiu a notícia do Kung Jin eu resolvi ler os comentários…
A ideia dessa postagem basicamente surgiu por causa de comentários assim:
Daí eu parei pra pensar… Eu lembrava, de cabeça na hora, três personagens gays que eu já tinha visto em jogos (Kung Jin, Dorian Pavus de Dragon Age Inquisition e Steve Cortez de Mass Effect 3).
Infelizmente não achei nenhuma pesquisa que falasse da representação LGBT+ em videogames, então tive que fazer umas contas sozinha. Em 2013, mais de 600 jogos foram lançados. Vamos usar 600 pra deixar a conta mais fácil. Eu pesquisei por aí jogos que no mesmo ano tivessem algum tipo de representação LGBT+ e eu achei 5: Gone Home, The Last of Us, State of Decay, Animal Crossing: New Leaf, GTA V. Como disse antes, nenhum lugar especializado em pesquisa tinha esses dados, então aceitando que eu talvez tenha perdido um ou outro jogo no caminho, vou aumentar o número de 5 para 10.
Supondo que esses números estejam próximos da realidade, isso significa que em 2013, 1,6% dos jogos tiveram representação LGBT+ (veja bem, eu dobrei o númedo de jogos com representação, porque se tivesse feito a conta baseado só nos jogos que encontrei a porcentagem teria caído para 0,83).
Então eu te pergunto, gamer: Por que 1,6% te incomoda tanto?
Ellie de The Last of Us, confirmada lésbica depois da DLC Left Behind
Apesar de ter muitos comentários de pessoas chamando atenção dos homofóbicos, há alguns tipos de comentários que se repetem. Alguns dizem que estragaram a série, que vão boicotar, tive até o desprazer de ler que era uma vergonha já que esse jogo era o “orgulho dos heterossexuais” (é bem difícil digitar sem rir). Isso tudo só me lembra o quanto ‘omi’ cishet (cis e hétero) é provavelmente o tipo mais frágil de pessoa que existe. Sabe o filho único que ganhou um irmão e faz birra porque não quer dividir o brinquedo? É o que parece. Por favor, me digam no que vai afetar a vida de vocês e o jogo de vocês a orientação sexual do personagem?
Infelizmente não tenho prints, mas já vi muita coisa lamentável na BSN (Bioware Social Network). Gamers irritadíssimos por causa dos personagens que não eram héteros, acusando a Bioware de que eles faziam jogos para os héteros se envergonharem de sua sexualidade (?). Muitos homens cishet usando palavrões bem preconceituosos para expressar seu ódio contra Anders e Zevran, dois homens bissexuais que flertam com os personagens homens. Isso porque a Bioware é conhecida pelas representações, não quero nem pensar o que acontece em fóruns de jogos como Mortal Kombat, que estão incluindo personagens LGBT+ pela primeira vez.
E também há um outro tipo de comentário: Aquelas que dizem “Eu não sou homofóbico, mas… Qual a importância do personagem ser gay? Vocês querem igualdade, mas por que isso sempre vira notícia? Estão usando a sua sexualidade para fazer marketing!”
Kaidan Alenko, romance para Shepards homens e mulheres em Mass Effect 3
Vamos explicar por partes:
- A importância da representação
Normalmente a pessoa que não vê a importância da representação é aquela que já está representada. Eu te garanto que é um saco quando você liga a televisão ou o seu videogame e só encontra produtos com um tipo de pessoa que você não é. A sensação de ver alguém como você ali é incrível, Whoopi Goldberg pulou pela casa quando viu Uhura em Star Trek, porque era a primeira vez que ela via uma mulher negra na televisão que não era uma empregada. A representação importa porque você vê na tela algo que você se identifica e pensa “Não sou só eu, eu não estou sozinho”. Porque um dos momentos mais felizes da minha infância foi descobrir que eu finalmente podia jogar pokemon como uma garota quando ganhei a pokemon Crystal. Pra você que sempre foi representado, não há a menor diferença se um personagem é LGBT+ ou não, mas pra quem quase nunca vê, te garanto que importa bastante.
- Isso não é igualdade, vocês querem agir como se ser LGBT+ fosse especial
Pessoas LGBT+ ouvem quase todos os dias como elas são erradas, sofrem preconceito, ficam com medo de falar que não são hétero, medo de apanhar na rua, de serem expulsas de casa, são ridicularizadas com “piadas” e estereótipos. O que você chama de “especial” são elas tentando superar um mundo que as odeia, são elas criando espaços seguros e comemorando que estão conquistando algumas coisas. Cis e héteros não precisam disso, a sociedade já os aceita como padrão. Como apontei lá em cima, a porcentagem de representação LGBT+ é muito pequena, então sim, vamos comemorar sempre que mais uma aparecer, e se reclamar vamos fazer mais barulho ainda.
- Sexualidade para fazer marketing
Adoro que é sempre cishet fazendo esse argumento, como se tivessem alguma autoridade para dizer o que LGBT+ deviam gostar em suas representações. Sabemos perfeitamente que muitas empresas só estão nessa por causa da publicidade, é por isso que várias pessoas (que são LGBT+) apontam em fóruns e mostram que certas representações são problemáticas. Quem tem que apontar se a representação de Kung Jin, ou de qualquer outro personagem LGBT+, é problemática é o grupo que está sendo representado, não o gamer cishet que tá se doendo porque não é mais tudo sobre ele.
Cremisius Aclassi, também conhecido como Krem, confirmado homens trans em Dragon Age Inquisition
Eu não acredito que a maioria dos gamers sejam cishet preconceituosos, mas eles são os que possuem mais espaço. Imagino que isso seja porque gamers como eu, que querem representação, nos cansamos de ver preconceito em comentários e por isso nos afastamos de fóruns em geral. A minha sugestão não é dar estrelinha pra qualquer jogo que coloque um personagem LGBT+, é que continuemos a criticar representações que possam ser problemáticas e pedirmos por mais. Ao invés de só parabenizar o Mortal Kombat por incluir Kung Jin, pedir que eles coloquem também personagens trans, lésbicas, bissexuais, etc.
É pouco, precisamos de mais representação, poder contar nos dedos os personagens LGBT+ que lembramos de cabeça não é aceitável.
A resposta: A representação LGBT+ incomoda porque ela quebra padrões colocados por uma sociedade cis heteronormativa.
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