No começo, não tive interesse nenhum em assistir Mad Max. Era um filme de ação, explosões, perseguições com carros… Nada que me chamasse muito a atenção. Foi aí que li uma matéria de como os Ativistas das Causas dos Homens tinham pedido para que as pessoas boicotassem o filme, porque segundo eles, era uma propaganda feminista. Obviamente o filme passou para o topo da lista das coisas que eu queria fazer no final de semana.
Mad Max: A Estrada da Fúria é um filme australiano que conta a história de um mundo pós-apocalíptico em que a gasolina e a água passaram a ser muito valiosos pela escassez. O mundo é dividido em gangues de carros e motoqueiros que tentam sobreviver com os poucos recursos que restaram. Max é capturado por uma dessas gangues que é comandada por Immortan Joe. Sua imperatriz, Furiosa, está numa missão para trazer mais combustível para eles, mas não é bem isso que vai acontecer…
Por onde eu começo? George Miller dá um show de direção, a fotografia é incrível e as cores escolhidas para o filme fortalecem a ideia de um mundo devastado. O longa alterna cenas de ação com diálogos interessantes para não cansar, porém, uma das poucas falhas do filme é exagerar nas cenas de luta. O enredo te deixa tão vidrado na história que é só no final que você sente que está ficando repetitivo, mas a vontade de saber o que acontece é tão grande que esquecemos a repetição
Aliás, não espere grandes explicações do universo de Mad Max. O filme mostra pistas de vez em quando daquele mundo, mas não gasta diálogos com isso. Há alguns pontos aqui ou ali que podem ficar meio confusos para quem não viu a primeira trilogia de Mad Max, porém é fácil deduzir o que está acontecendo. A parte importante da história está toda ali e a nova geração de cinéfilos não vai ficar perdida.
Os atores são incríveis, mas Charlize Theron se destaca e rouba a cena em todos os momentos em que aparece. Furiosa é uma guerreira, mas também tem sentimentos, sente dor, chora… Uma personagem incrível. Todos os personagens do filme mostram certa densidade, por mais que não seja revelado muito.
Destaque para a trilha sonora que vai ficar tocando na sua cabeça horas depois que sair do filme. As músicas dão o clima certo nas horas certas, principalmente nas cenas de ação.
Outro ponto que faz o filme ser tão marcante são suas personagens femininas. Como dito antes, todos os personagens são incríveis, mas são as mulheres que movem a história. Não só a guerreira Furiosa, mas todas as esposas têm sua importância. Nas mãos de muitos diretores, o filme reduziria as cinco esposas apenas ao papel de “donzelas em perigo”, todas iguais e com os mesmos propósitos. Mas não, as mulheres não são só mais um objeto, que acontece em muitos filmes se ação, elas são complexas e interessantes. Isso acabou incomodando muitos homens que sentem que seu gênero está sendo “invadido pelo cavalo de Troia feminista”. Vai ter mulheres sim e se reclamar elas te dão cabeçada e te derrubam do carro!
O filme é incrível, até os menos interessados no gênero vão se divertir com Mad Max. É um dos melhores filmes de ação que vi e espero que os outros aprendam com este.
Abaixo análise com spoilers
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- Que mundo é esse?
“Muito louco” é uma boa resposta. Mad Max impressiona quando já joga a audiência nesse universo bizarro. A Citadela é o lar de uma gangue que anda em carros. A maioria da população é pobre e com sérios problemas de saúde. Immortan Joe mostra que é generoso ao abrir as comportas de água de vez em quando, mas podemos ver que “generoso” não é exatamente a palavra. Também existem os garotos da guerra, homens todos iguais que são treinados para lutar. Eles são incentivados a se sacrificarem por uma causa maior, pois assim alcançarão Valhala. Pela falta de recursos, as próprias pessoas viraram recursos, então temos as esposas que servem para ter filhos, as mulheres que dão leite, os garotos da guerra que servem como armas, os prisioneiros, como Max, que viram bolsas de sangue ambulantes…
Até que ponto a humanidade vai para sobreviver?
- Religião e Mitologia
Talvez você tenha reconhecido o nome Valhala. Na mitologia nórdica, é um lugar para onde os guerreiros vão quando morrem. Não qualquer guerreiro, só aqueles que Odin considera dignos o suficiente. Dando a ideia de um paraíso para os guerreiros merecedores, Immortan Joe consegue fazer com que seu exército cometa loucuras por ele.
Além disso, as pessoas veneram o V8, um tipo de motor para veículos. Dirigir um carro entre eles é uma honra, morrer em combate em cima de um carro é uma possibilidade de alcançar Valhalla. No começo do filme, Nux briga pelo seu volante, mostrando que vai fazer qualquer coisa para ter a honra de dirigir na missão de Immortan Joe, mesmo que isso signifique carregar Mad “bolsa de sangue” Max com ele.
Há também coisas que lembram rituais. Eles fazem símbolos, tocam tambores para anunciar alguma coisa, além de levarem um guitarrista durante a caçada.
- Furiosa
A personagem merece um tópico só para ela. Como dito antes, Charlize Theron rouba a cena sempre que aparece, parecendo mais personagem principal do que o próprio Max. Furiosa é corajosa, ela sabe muito bem que pode ter problemas em soltar as cinco esposas de Joe, mas ela prefere correr o risco do que ver essas mulheres passarem pelo horrores que Immortan Joe comete
É muito interessante como o filme coloca uma mulher salvando outras mulheres de um homem abusivo. Não é um herói que salva as “princesas”, é uma heroína que dirige, soca e faz planos melhores do que os homens do filme. Mas Furiosa não é apenas uma personagem forte porque ela dá cabeçadas, ela é complexa. Furiosa, que atirou e matou várias pessoas, se ajoelha e chora quando descobre que sua casa não existe mais. Ela se arrepende de tudo que fez por Joe, buscando redenção na sua missão de salvar as esposas. Além de tudo, Furiosa tem um braço robótico, mas consegue dar uma surra em Max mesmo sem ele.
Um dos momentos que mais me chama atenção nela é quando uma das esposas reclama que a perna dói e Furiosa responde “Aqui fora tudo dói”. Ela quer proteger as outras, mas também precisa ensiná-las a viverem no mundo lá fora.
Furiosa vai se tornar facilmente um dos ícones femininos da ficção. Sua força, sua persistência e até seus momentos de fraqueza faz com que se destaque.
- As Esposas
A primeira cena em que elas apareceram me deixou preocupada. Elas são vistas se banhando, pouca roupa, vulneráveis… Como aconteceu durante toda a vida delas e de outras mulheres até hoje. Mas esse é o olhar de Max, que apesar de tratar todas de igual para igual durante o filme, ainda é um homem e ainda pode ter essa primeira impressão de outras mulheres. Compare essa cena com o final do filme, as esposas agora lutando e sobrevivendo. Mesmo que o mundo as veja como frágeis, elas vão mostrar que não é bem assim.
Como mencionado antes, as esposas poderiam ter facilmente virado cópias uma das outras, mas cada personagem é distinta. Por mais que essa concepção seja óbvia, não é o que normalmente acontece com as mulheres na ficção, principalmente em gêneros considerados mais “masculinos”.
Toast (Zoe Kravitz) é a mais durona das cinco, sempre focando que precisam chegar ao Vale Verde e falando que isso é o que realmente importa, mostrando também que é bem objetiva. Toast faz o que precisa ser feito, ela recarrega a arma de Furiosa quando as outras esposas não sabem o que fazer e conta as balas que sobraram.
Angharad (Rosie Huntington-Whiteley) aparentemente é como se fosse uma “líder” das cinco, além de estar com 7 ou 8 meses de gravidez. Ela consegue escapar de situações difíceis e usa seu corpo como escudo para as outras porque sabe que os garotos da guerra não vão atirar nela, mas ao mesmo tempo mostra um lado misericordioso quando diz que não quer mortes desnecessárias.
Capable (Riley Keough) é uma das mais quietas e provavelmente que acaba sendo uma irmã mais nova. Ela também é a única personagem que se envolve em um romance, também mostrando um lado compreensivo e que se preocupa com os outros, desde uma forma mais calma com Nux, como uma perda de controle com a morte de Angharad.
Dag (Abbey Lee) parece ser a mais otimista entre elas. Faz um comentário engraçado aqui e ali, conversa com as mulheres da outra gangue, se importa e busca forças de onde quer que seja, mostrado bem em uma cena em que ela está rezando para “qualquer um que estiver ouvindo”
Cheedo (Courtney Eaton) é a que mais mostra medo. Quando param o caminhão, Cheedo tenta fugir, acreditando que talvez Joe tenha piedade delas, mas ela cresce e mais tarde usa de sua reputação “frágil” para enganar Rictus e ajudar Furiosa.
- A Tal da Propaganda Feminista
Além das personagens mulheres, há outros elementos aqui e ali no filme que deixam a “propaganda feminista” ainda mais interessante de assistir.
Normalmente os filmes, principalmente os de ação, fazem com que a maioria das personagens mulheres sejam cópias uma das outras (quando tem) e os homens são os personagens mais densos e fácil de se identificar. Mad Max faz o contrário, enquanto as mulheres são complexas e fáceis de identificar, os homens são quase todos iguais, o exército de meninos da guerra é praticamente igual, tanto em aparência quanto em forma de agir, o filme não se preocupa em diferenciá-los. O único que tem destaque mesmo é Nux, que faz um excelente trabalho em mostrar que eles não são só armas.
Aliás destaque aqui para a expressão “garotos de guerra”. É muito comum que chamem as mulheres de “garotas”, um termo já problematizado por infantilizar as mulheres. No filme, elas não são chamadas de garotas, mas a grande maioria dos homens são chamados de garotos.
A gangue das mulheres também é incrível, elas se protegem e podiam muito bem não ajudar as esposas, mas ajudam. Todas elas são mulheres e as esposas passaram por coisas que muitas podem ter que passar em uma sociedade patriarcal. As personagens são tão interessantes que em alguns minutos de cena, a audiência já fica triste com suas mortes. Nem precisa apontar o quão incrível elas são, atirando e lutando com homens de igual para igual, inclusive as mais velhas.
Max, Furiosa, Nux e as esposas estão lutando contra um sistema opressor. Esse sistema é liderado por homens, trata todos como objetos, mas principalmente as mulheres, porque os homens ainda tem a chance de “entrar” em Valhalla. A única gangue que ajuda o grupo principal é uma gangue de mulheres, que mesmo em menor número e com menos armas ao seu favor, viram o jogo. Basicamente, o filme coloca um sistema que louva coisas consideradas “masculinas” como os vilões e as mulheres lutando por sua independência como as heroínas.
“Nos não somos objetos” as esposas gritam para Cheedo, porque assim como muitas mulheres, depois de ter vivido tanto tempo numa sociedade patriarcal, é difícil para muitas se libertarem dos estereótipos e funções que lhe foram colocadas. Quando as mulheres se juntam, Cheedo engana Rictus e ajuda Furiosa, porque com as outras lhe dando apoio, ela tem coragem de desafiar o sistema.
O filme termina com as mulheres restantes subindo para o palanque, enquanto Max vai embora. Podemos muito bem entender com isso que, depois de tirar o sistema de Immortan Joe, majoritariamente masculino, as mulheres chegam ao poder e buscam fazer uma sociedade melhor.
Além de tudo isso, acho fantástico que Max nem tenha subido no palanque, apenas ido embora enquanto as pessoas ainda estavam surpresas com a morte de Immortan Joe. O filme podia ter terminado com ele no meio de todas elas, sendo saudado por todos, mas Max e George Miller sabem que aquela foi uma vitória das mulheres. Max sai porque ele é um personagem que anda sozinho, mas sutilezas da cena fortalecem a ideia de quem são as grandes heroínas do filme.
A Estrada da Fúria virou a Estrada das Mulheres e esperamos que outros filmes façam isso, além de esperar que George Miller queira continuar fazendo outros Mad Max.
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