O medo da força das mulheres | Sobre Drácula e os dias de hoje

As histórias de vampiros são um clássico do gênero de terror há séculos. Muito antes de Bram Stoker dar vida ao Drácula, os vampiros já assustavam as pessoas em contos e lendas. Por ser uma figura muito antiga, existem várias lendas diferentes e tipos de vampiros, desde o monstruoso sugador de sangue até o sedutor (e o que brilha).

O Drácula do Bram Stoker foi uma das primeiras histórias de vampiro que eu encontrei e até hoje é uma das minhas grandes referências quando falo sobre o assunto. Porém, como normalmente acontece, quando eu pego uma história que gostava muito antigamente para ver/ler hoje, eu encontro vários aspectos que não tinha percebido antes.

Todo mundo sabe que Drácula é uma história do gênero de terror, independente de você ter medo de vampiros ou não. O grande vilão da história, o próprio conde Drácula, mata pessoas, se transforma em animais, controla a mente das pessoas… Isso tudo é bem assustador e uma boa fórmula para um vilão, mas hoje, com um outro olhar, quando presto atenção nas mensagens que a história passa, percebo que talvez o Drácula não era exatamente a única coisa que o Bram Stoker colocou como “ameaça” no livro.

O jeito que as mulheres são colocadas na história revela padrões que a sociedade esperava que elas seguissem na época que o livro saiu (1897). Quando paramos para analisar como cada uma delas serve a história e o destino que elas tomam, conseguimos ver uma expectativa extremamente machista da sociedade da época sobre o que a “mulher de verdade” deveria ser.

Mina, Lucy e as esposas do Drácula representam tipos de mulheres e cada uma delas recebe o “fim” que a sociedade acha adequado para suas atitudes, o que me faz pensar sobre como, há muito tempo, a mídia e a representação de grupos em geral vem fazendo sua parte em manter certos papéis da sociedade.

Antes de entrar na análise propriamente dita, queria reforçar que, por mais que eu ame Drácula, isso não me impede de fazer análises e problematizar certos aspectos da história. Esse texto não é de forma alguma um tipo de discurso para você banir o Drácula da sua estante, só uma análise para você refletir.

Das três representações de mulheres que temos na história, eu vou começar pela que é considerada a “ideal”, que é Mina. Ela é a mulher correta, bonita e não “fica provocando”, se preocupa com Jonathan e continua fiel a ele sem nem ter nenhuma dúvida. Mina é inteligente, tem um emprego, porém nada que “ameace” a posição de Jonathan, afinal de contas a mulher não podia ser vista como mais inteligente que seu parceiro.

Por fazer tudo certo e agir como a sociedade acredita que uma mulher deve ser, Mina termina a história sendo resgatada pelo seu “amor verdadeiro”, afinal de contas ela sempre cuidou e se preocupou com ele, então ela merecia ser salva. Porém, de todas as mulheres, Mina é a única que consegue seu “felizes para sempre”.

As esposas do Drácula não são personagens grandes como Mina ou Lucy, mas não deixam de ser representações de um tipo de mulher. Elas aparecem tentando seduzir Jonathan, que vai se rendendo e elas só param quando Drácula, outro homem, diz que elas não devem fazer aquilo. Tudo bem, sabemos que elas são vampiras e estavam tentando seduzir um humano, mas é curioso como Drácula não culpa Jonathan por estar com suas esposas, mas culpa as três, afinal de contas se o homem está ali é porque ele foi seduzido e não havia nada que pudesse fazer em relação a isso, a culpa é das três vampiras que o seduziram.

Elas são representadas como monstros, vampiros que atacam sem dó, se alimentam de humanos e até de crianças para saciar a própria sede. O contrário de tudo que seria o correto.

Depois temos Lucy, que é um caso um pouco mais específico. Lucy começa como Mina, inclusive elas são grandes amigas. Procurando um pretendente para casar, Lucy atrai a atenção de três homens, que já é visto como “muito” para uma moça decente. Ao contrário de Mina, Lucy provoca mais e flerta com mais homens. Sendo assim, ela tem a “punição que merece” e é atacada pelo conde Drácula, o que a faz ficar muito doente e eventualmente leva a sua morte… Em termos, porque ela virou uma vampira e não está completamente morta. Ela está caçando crianças durante a noite e usando-as para se alimentar. Van Helsing e seus ajudantes conseguem achá-la e a matam de uma vez por todas.

Lucy seria a representação de que, para aquela sociedade, qualquer moça de boa família que não tomasse cuidado poderia deixar de ser uma pessoa confiável, se tornando um exemplo ruim para outras mulheres. Por se atrever a não se encaixar no que era desejado dela, Lucy é infectada e morta.

Por que Bram Stoker fez suas personagens mulheres desse jeito? A resposta pode ser simples, ele era um homem machista em uma sociedade mais machista ainda, porém há outras possíveis respostas. A história se passa, pelo menos boa parte, na Inglaterra, e na época que o livro foi lançado foi fundada a União Nacional da Sociedade do Sufrágio Feminino, que buscava o direito de voto para as mulheres.

As mulheres estavam se posicionando e lutando pelos seus direitos, portanto, em uma sociedade machista, ver as mulheres se levantando dessa forma, questionando e brigando era… Assustador. Os homens até poderiam ver essas mulheres como monstros que queriam “sugar tudo deles”. Quando o opressor vê o oprimido lutar por seus direitos, eles temem perder o seu espaço privilegiado e tentam derrubar a classe oprimida novamente, colocando-os em seu lugar. Uma das armas mais usadas na história mundial para isso são os meios de comunicação. Talvez Drácula tenha sido, entre outras coisas, uma forma de demonizar essas mulheres fora do padrão da sociedade.

Ao demonizar essas mulheres, a sociedade tira o crédito de seu movimento e o faz perder aliados, perdendo a força. Na época da guerra fria isso também acontecia, os Estados Unidos fez inúmeros filmes colocando as ideias comunistas em vilões, criando essa lavagem cerebral nas pessoas. A representação das mulheres em Drácula pode mostrar um medo que a sociedade tinha dessa força que estava surgindo nas mulheres e essa era uma das tentativas de derrubá-las.

O pior de tudo é que isso não é uma coisa de décadas atrás, isso continua acontecendo hoje. A mídia machista busca o menor erro nas manifestações feministas para cair em cima e tirar o crédito de todo o movimento. Mulheres que fogem dos padrões ainda são punidas em ficções, inserindo sutilmente na sociedade a ideia de que esse tipo de mulher deve e será punida, afinal é o que elas merecem, é assim que as histórias terminam, não?

Apesar de termos conseguidos várias conquistas ao longo dos anos, algumas coisas não mudaram. O método da sociedade demonizar o movimento feminista continua o mesmo, tanto que só recentemente a palavra vem perdendo a conotação negativa (e ainda depende muito do espaço em que você está). Há muitos anos a mídia vem tentando destruir o crédito das pautas feministas porque é muito mais cômodo que todas fiquemos no padrão, como Mina.

A semelhança mais forte entre a época do Drácula e hoje em dia é o medo. A sociedade machista ainda tem medo da força das mulheres, ainda teme o que podemos fazer juntas e para essa sociedade conservadora, ver as mulheres tomando seus espaços e lutando contra a opressão deve ser bem mais assustador do que qualquer vampiro.

3 comentários sobre “O medo da força das mulheres | Sobre Drácula e os dias de hoje

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