O texto não possui spoilers do filme, mas eu vou comentar alguns aspectos da personagem, então fica o aviso.
Ah, Rey! O que dizer dessa personagem que mal conheço e já amo pacas? Em ano de Furiosa e Jessica Jones, não achei que nos 45 do segundo tempo de 2015 nós teríamos ainda mais uma personagem feminina marcante na ficção. Felizmente eu estava errada.
Sim, é verdade que a atuação incrível de Daisy Ridley ajudou, que em poucos minutos já conseguiu cativar o público, mas aqui também temos uma personagem muito bem construída, sendo protagonista de um dos maiores clássicos do universo nerd. Isso é um passo muito importante quando falamos de representação.
Eu sempre tive muita dificuldade de mergulhar no fandom de Star Wars, por mais que gostasse de toda a mitologia do universo criado por George Lucas, sempre senti que faltava uma personagem que eu pudesse olhar e me ver de certa forma. Eu sei que temos Leia e Padmé, mas ambas são as únicas em um mundo completamente dominado por homens, além de que Leia passa por momentos “preciso ser salva” e Padmé tem um desenvolvimento bem falho durante a segunda trilogia. Gosto muito das duas, mas elas não me atraíam como outras personagens de outras histórias faziam. Esse é também o mesmo motivo pelo qual nunca consegui mergulhar de cabeça no mundo de Senhor do Anéis.
Eu lembro de uma vez me perguntar se não existiam mulheres Jedi e se havia alguma parte da mitologia de Star Wars que dizia que mulheres não poderiam ser Jedi. Quando assisti de novo todos os filmes, eu lembro de ver duas, naquele momento do episódio III em que todos os Jedi são executados. É isso, pouquíssimas Jedi que só aparecem para morrer.
Óbvio que não foram todas as coisas que me apaixonei na ficção que tinha uma personagem que eu pudesse me identificar, infelizmente, mas no caso de Star Wars, essa grande franquia com um fandom enorme, isso acabou sendo uma barreira para mim. Diferente de Sarah em Labirinto, Jasmine em Deltora Quest ou Katara em Avatar, que são algumas das heroínas que mais me marcaram na infância, eu não conseguia encontrar alguém em Star Wars que me causasse essa sensação de que eu podia fazer parte daquele mundo.
Então dia 17 fui ao cinema com as expectativas lá em cima com Rey e felizmente não me decepcionei nem um pouco. Rey é uma guerreira, uma sobrevivente. Ao contrário de Leia e Padmé, que em algum momento precisaram ser salvas, Rey sempre se vira sozinha e o filme inclusive brinca com a ideia, mostrando Rey furiosa enquanto pede para Finn soltar sua mão, que ela pode muito bem correr sozinha. O único momento em que há uma movimentação de outros personagens para salvá-la, vemos Rey se virando e não esperando pelo resgate.
É importante lembrar aqui que eu não quero de forma alguma desmerecer personagens como Leia e Padmé, sempre falo nas minhas críticas de Game of Thrones que Sansa não precisa lutar como Arya para ser uma personagem interessante, o problema é que Star Wars nos deu pouquíssimos exemplos de personagens femininas. Por mais que Leia tenha lutado mais que Padmé, sua personagem sofreu com estereótipos também. É aquela questão de Mad Max: O filme possui tantas mulheres que podem muito bem colocar o apelido de uma de “A Frágil” que não tem problema.
Rey luta de igual para igual contra outros personagens, mesmo que em certos momentos ela esteja em desvantagem e assustada, ela sabe que ou ela enfrenta ou será destruída. Rey não é só durona, ela tem seus momentos de fraqueza, muito bem mostrados no seu encontro com Maz, que inclusive é uma das poucas cenas que vi na ficção em que tanto a figura do mestre quanto da aprendiz são ocupadas por mulheres.
Em um universo que, até o Despertar da Força, era praticamente apenas tomado por homens, ter Rey no papel que antes era sempre preenchido por um homem, como Anakin e Luke, é extremamente empoderador. Ela não é o interesse romântico, ela não é a coadjuvante, ela não passa por situações machistas para o desenvolvimento de nenhum outro personagem. Rey é Rey, e é isso que ela precisa ser, não uma mulher que se encaixe em um padrão específico, ela é uma personagem que foge dos estereótipos, uma protagonista em um gênero com muitos fãs machistas e poucos espaços para mulheres.
Só consigo imaginar as meninas mais novas indo assistir esse filme, tendo uma representação que eu nunca tive. Isso vai ser importante pra elas e dará uma personagem para poderem ser quando brincarem com seus amigos de Star Wars. Imagina as meninas olhando pra Rey e falando “Eu quero viajar pela galáxia que nem ela!”. Por mais que ame as minhas heroínas da infância, nenhuma delas veio de um fandom tão grande quanto Star Wars e infelizmente muito dos clássicos peca na parte de representação. Tudo bem, não dá pra esquecer que era outra época e no caso da Leia, considerando ser a década de 70, é até surpreendente que ela tenha tido o papel que teve, afinal se pararmos para pensar, Padmé acaba caindo em estereótipos mais que Leia, mesmo sendo da trilogia mais atual.
Por isso é importante tanto a reinvenção dos clássicos quanto a criação de novas histórias com esses personagens. Antigamente a preocupação com a representação não era tão grande, mas hoje é e ela é necessária. Hoje mesmo vi um texto rodando a internet que em certo momento falava “A arte molda o mundo” e é verdade.
A quebra de estereótipos não pode acontecer só em franquias novas e menores, ela precisa aparecer nas histórias que possuem mais visibilidade, como é o caso de Star Wars. O novo filme deu passos muito certos, é só ver a reação dos fãs preconceituosos com Rey e Finn, quando a mudança incomoda, é porque tem alguma coisa certa aí.
Mal posso esperar pelos próximos filmes, por vários motivos, mas um dos mais importantes é o desenvolvimento e o papel que Rey terá. Ao lado de Furiosa e Jessica Jones, Rey é mais uma prova de que 2015 foi um ano muito importante para a representação das mulheres na ficção. Como eu sempre insisto, temos muito espaço para melhorar, não só com mulheres, mas com personagens negros, LGBT+ e outras minorias, porém ver que personagens fora do tal “padrão” estão começando a ocupar espaços na ficção, principalmente no universo nerd, que é tão problemático, é um alívio para nós, que sempre tivemos que nos conformar com coadjuvantes.
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