Personagens ficcionais não escolhem a própria roupa!

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Parece uma afirmação óbvia, não? Acontece que muita gente anda esquecendo disso.

Terça-feira, dia 19/01, saiu o novo trailer do filme Esquadrão Suicida. Confesso que não estou muito empolgada para ver o filme, mas esse trailer rendeu todo o tipo de comentário nas redes sociais.

Bem no final tem uma cena em que a Arlequina quebra o vidro de uma loja e se curva para pegar uma bolsa que ela quer roubar, não pude deixar de bufar com aquele enquadramento conveniente na bunda dela. Já estava imaginando o que aquele frame ia virar no dia seguinte e, como sempre, “desapontada, mas não surpresa”.

O debate sobre a roupa da Arlequina (e agora da Magia também) voltou a ganhar força. A Rebeca fez uma postagem maravilhosa na página do Collant no facebook sobre o assunto, então não vou falar especificamente disso. Deixa eu listar aqui alguns argumentos que chamaram minha atenção:

“A Arlequina é dona da própria sexualidade!”

“Por que a Arlequina não pode usar short? Ela gosta e se sente confortável assim!”

“Acho que se a Arlequina quer usar short e salto ela tem que usar mesmo!”

Todos esses argumentos vieram de homens cis. Eles parecem sensatos, não? Uma mulher pode sim usar a roupa que quiser, ser dona da própria sexualidade e, por que não, usar um short e um salto quando outras pessoas prefeririam calças? Aparentemente não tem nada de errado aqui.

Exceto que a Arlequina não é uma pessoa. Ela é uma personagem de ficção. Ela não existe.

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Não, sério, olha a diferença!

Eu já ouvi esse argumento que usaram para a Arlequina com inúmeras outras personagens ao longo de anos que comecei a participar de discussões sobre cultura pop. É sempre a mesma coisa: Temos uma personagem mulher, ela é sexualizada, as mulheres reclamam desse tipo de representação e surgem homens defendendo a roupa da personagem com os argumentos acima. Engraçado que esses são normalmente os mesmos que julgam uma moça na rua de estar com pouca roupa ou não deixam a filha/irmã sair de saia curta.

Não sou grande conhecedora do mundo dos quadrinhos (e sinto que isso será usado contra mim no tribunal), mas um dos meus primeiros contatos com o mundo nerd foram os videogames, portanto é um dos fandom com o qual tenho mais contato. Sabemos que não são poucas as personagens mulheres com pouca roupa na cultura pop, então já cruzei com esse argumento.

O que as pessoas precisam entender é que a Arlequina, assim como outras personagens, não é uma mulher real que escolheu usar short e salto alto. Elas foram programadas e desenhadas com aquelas roupas por outras pessoas e, lembrando que as indústrias de entretenimento ainda são dominadas por homens, é muito plausível assumir que foram homens que escolheram como essas personagens se vestem.

Vou falar de cinema, que foi o que eu estudei. Tive uma matéria na faculdade chamada Direção de Arte, nela nós aprendíamos que desde o cenário até o figurino precisa ser muito bem pensado, a arte do filme precisa conversar com a história e os personagens, não podíamos escolher uma cor ou uma roupa sem explicar para o professor nossas motivações.

Ou seja: A roupa da Arlequina pro filme foi muito bem pensada antes de ser colocada lá.

Como já falei antes, não manjo muito de quadrinhos, mas uma pesquisa rápida no Google me mostrou que a Arlequina tinha muitos outros figurinos do quadrinho para o filme se inspirar, alguns deles até com calças, olha só! Inclusive a minha imagem da Arlequina sempre foi uma das roupas em que ela usava calça. Então por que colocaram ela de short?

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Porque vende. A indústria sabe muito bem que mulheres sexualizadas atraem o olhar de muitos homens e incentiva que eles consumam o produto, é só ver as reações negativas quando descobriram a armadura toda coberta da Capitã Phasma de Star Wars. Também podemos olhar Laura de Street Fighter e Quiet de MGSV, personagens que andam com roupas abertas em contextos que não fazem sentido (não, a fotossíntese da Quiet não é um bom motivo). Vários filmes, jogos, quadrinhos e outras mídias usam dessa sexualidade porque ela infelizmente ainda funciona para muitos.

Eu acho completamente válido termos representações de personagens que se sintam confortáveis com pouca roupa, isso não é o problema, a questão é que muitas dessas personagens estão lutando ou no meio de guerras, que exige no mínimo alguma roupa que possa protegê-las do combate, igual a que seus parceiros homens usam. A verdade é que a lógica da história, que seria a Arlequina usar pelo menos uma calça, fica em segundo plano porque os produtos estão muito mais interessados nos homens que querem ver a bunda dela no filme. Isso porque nem entrei no mérito da Laura ter muito peito e sair pulando nas lutas com uma blusinha.

Arlequina, Quiet, Laura… Nenhuma delas é uma mulher no mundo real que decidiu usar roupas curtas porque se sentem a vontade, elas são criações de um mundo ficcional, dominado por machismo e são usadas e comercializadas de formas que atrairão o público de homens cis e héteros. A indústria ainda acredita que a maioria do público alvo nerd são homens cis héteros (não sei quantas mais pesquisas precisam sair para eles entenderem que isso tá errado), como também acham que está tudo bem reduzir uma personagem ao seu corpo sexualizado e se isso não é machismo, eu não sei o que é. A ficção ainda é um terreno muito preconceituoso, portanto muitos ainda entendem que se existe espaço para personagens mulheres, é só quando elas funcionam em prol do homem.

Vamos parar de acreditar então nessa de “ela escolheu, é dona de sua sexualidade” porque essas personagens não existem, o que existe é uma indústria machista que sexualiza personagens porque sabe que existem fãs machistas que vão fazer memes e comentários desrespeitosos depois. Já tá na hora de melhorar, né?

EDIT: Minutos antes de soltar o texto, cruzei com um texto raivoso de um cara achando um absurdo as reclamações sobre a roupa da Laura, porque é “só um jogo” e “as pessoas querem discutir com profissionais que estão aí há anos”. Sim, há anos usando uma lógica machista pra diminuir minorias e vender a todo custo, mesmo que precise usar artifícios preconceituosos. Migo, se tudo isso é “só um jogo” e portanto não importaria, por que você tá tão preocupado? Tá ridículo vocês chorando com medo de perderem a punheta.

21 comentários sobre “Personagens ficcionais não escolhem a própria roupa!

  1. Muito legal o texto, adorei e concordo 90%. Entretanto, continuo acreditando que o argumento que a personagem tem o direito de usar o que ela quiser é válido. Sim, ela é fictícia. E daí? Na realidade dela, ela é real. Me lembrou as pessoas criticando a entrevista que a Lightning deu pra Louis Vuitton (se não soube, ela é uma das caras da nova linha LV4, cheque a entrevista http://gamehall.uol.com.br/v10/em-entrevista-lightning-diz-o-que-acha-de-ser-a-nova-modelo-da-louis-vuitton/)
    Reclamaram, falando que a entrevista é “falsa” e “ridícula” por ela não ser real. Bruh, dentro do Final Fantasy XIII ela também não é “real”, ela é escrita por alguém, e consequentemente uma extensão daquela pessoa. Um personagem fictício, portanto, deve ser apreciado como “real”, afinal essa é a finalidade dele. Ou seja, o argumento da roupa da Harlequin estar errada não é pq ela não é real e não pode escolher — se ela está vestindo, ela escolheu sim e ponto. O errado é a mentalidade por detrás disso, o motivo de ela ter tido a vontade de usar aquela roupa — a indústria.

    Isso foi só um pedido de respeito a integridade dos personagens. Como autor, eu mesmo, eu me sinto na necessidade de defender o livre arbitrio de personagens que podem SIM escolher suas roupas, mas não se defender quando tem seu livre abritrio ou personalidade refutados. Basicamente, isso é meio que um desserviço a liberdade artística ;v;
    nossa que textão falando quase merda nenhuma sorry

    no mais, por um mundo onde personagens tenham roupagens melhores, e onde a industria expanda seu demográfico, esse protagonismo de homem hetero cis tá muito cansado já.

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  2. Realmente não tem sentido, ela é uma personagem sensual e provocante, mas ela usa calças nos quadrinhos! Se fosse só isso, até que daria pra engolir, mas tiveram que fazer ela usar salto! Que mulher vai pra uma situação de combate usando salto? Isso é puro fetichismo, não tem desculpa.. Em tempo, mesmo dentro do círculo dos desenvolvedores de games, está havendo muita discussão no sentido de representar as mulheres de forma mais real e menos fetichista, então pode esquecer o argumento do “esses profissionais estão aí há anos”. Eles também estão mudando seus conceitos.

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  3. Não tenho medo de perder a punheta por que sempre saem materiais de fãs, mas seja como for.

    Li todo texto e realmente é algo bem burro dizer que elas escolheram o que vestir… rsrsrsrsr….
    Só posso concordar, as mulheres em jogos são feitas para serem ultra gostosas, sensuais, para vender, até a Samus Aran do game Metroid, tem como recompensa ao jogar, mostrar que debaixo da grande e robusta armadura de combate, ela usa biquini ou maiô bem colado e desenhado ao corpo exuberante, loira dos olhos azuis rsrsrsr….
    Isso é só um exemplo, Bayoneta, Dead or Alive voley ball, e mais um bom montante de jogos usando a sensualidade pra vender…
    Sinceramente… acredita que isso vá mudar mesmo algum dia?

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  4. É muito comum quando um roteirista homem hetero cis cria uma personagem “mulher forte e independente”, usar esse argumento para sexualizar ela, sob a premissa de que ser dona da própria sexualidade é um jeito dela se mostrar livre e forte, o que é um migué, para ele atender uma demanda que exige mais mulheres fortes na ficção, enquanto ele pode continuar debulhando fanservice.

    Uma heroína ou vilã que é forte e dona da sexualidade, não é um sinônimo de andar seminua nas ruas na maior parte do tempo. Isso ainda é fanservice, de uma personagem feminina escrita por homens que tem outros homens como público-alvo. Assim como personagens masculinos que sejam donos da própria sexualidade não andam seminus o tempo todo. Sexualidade não funciona assim.

    A Arlequina original foi concebida com um collant que cobre todo seu corpo, inclusive o cabelo, uma maquiagem e uma máscara. Todas as roupas que vieram após essa são uma adaptação, e toda adaptação tem um objetivo. No caso o objetivo é simples, atiçar os desejos do público masculino do filme. Ou seja é uma personagem feminina pensada em primeiro lugar em atender a uma demanda masculina de ir ao cinema ver um filme de ação onde se possa ver bundas.

    E achar que existe outro motivo por trás disso é se iludir.

    Muito bom seu texto. Infelizmente a industria nerd ainda opera primariamente sendo produzida de homens para homens, e o fanservice anda lado a lado com essa lógica de produção.

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  5. Olá Jo. Eu já escrevi ficção e entendo o que você quer dizer quando devemos levar em consideração o que a personagem faria em certas situações. É sempre importante pensar ‘A Arlequina faria isso mesmo, com a personalidade que ela tem?’. Eu não pretendo, nem quero, que toda a personagem ande completamente vestida, seja o gênero que for, mas nesse caso, num ambiente de guerra e uma personagem que já é sexualizada desde sua criação, dá pra ver que isso foi pura vontade de apelar pro público. Os produtores escolheram colocar ela nessas roupas porque eles têm uma intenção óbvia: vender para um público específico, o mesmo vale para os outros exemplos que mencionei.

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  6. vc acha q existiria um lado bom a ser tirado dessa sexualização? de tipo alguma menina poder desvincular do que foi a ideia de como a arlequina foi criada (por puro machismo) e usar isso pra se empoderar e se sentir bonita? Qnd isso se reflete numa menina q está usando um short curto ela n se sexualiza, o q a sexualiza é o q olhar que tem pra ela?
    é mt informação, to ainda na fase de juntar as ideias haha se puder me dar sua opinião eu agradeço!

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  7. Olá Camila. Muito boa essa questão que você levantou. Eu gosto de acreditar que, mesmo nas piores coisas, vai surgir algo bom. Já vi algumas moças dizendo que se identificam com a Arlequina pela sexualidade e até pelo abuso que ela sofreu. Eu acho possível sim que alguma menina veja ela de short e se sinta empoderada, por isso sempre acho válido fazermos sim personagens que gostem de usar roupa curta. A questão aqui é que é um contexto de luta né, muito absurdo pro short, infelizmente essa representação trás mais mal do que bem. Exemplo: No jogo Dragon Age tem uma personagem chamada Isabela, ela usa roupas curtas e usa bastante da sua sexualidade e eu tenho meus pontos de crítica nisso, mas ela é uma das minhas favoritas porque ela tem um discurso de empoderamento, de se sentir bem com seu corpo e sua sexualidade e quando joguei pela primeira vez isso me marcou muito. É um caso bem diferente do da Arlequina na minha opinião, mas só pra ilustrar que algo bom pode vir disso.
    É bastante informação mesmo, às vezes é muito difícil escrever e falar tudo que eu tô pensando, levantar todos os pontos, etc. Mas leve o seu tempo, ninguém precisa saber tudo ou ter certeza de tudo, o importante é estar disposta a discutir as coisas.

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  8. Se tem uma coisa que gosto é ouvir outros lados, eu vou somando as coisas e tentando fazer discurso ficar mais bem formulado. É aquela questão da viúva negra sendo a única de costas no cartaz de propaganda dos avengers tb, né. São coisas q incomodam e mais que isso, n fazem sentido. A Arlequina ta indo lutar, n numa festa se divertir. Obrigada pelo texto, mt legal pra refletir a respeito!

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  9. Acho que tem que ver o filme todo pra ver se ela vai ser totalmente sexualizada ou se isso vai ser usado como “arma”. Eu realmente não conheço muito ela nos quadrinhos porém pelo que eu vi os homens sexualizam muito ela e talvez parte do motivo seja fan service. Mas pelo trailer concordo com tudo o que foi falado.

    Quanto ao conforto para batalha acho que o que pior é o salto alto kk não sei como é lutar mas eu faço dança e as vezes usamos só malha para dançar e ela fica que nem esse short – no fim facilita o movimento – e é bem melhor do que um macacão inteiro – que nem algumas heroinas usam.

    Mas por um lado mais positivo tem 4 personagens mulheres no elenco principal (o que é muito mais do que já houve em qualquer filme de heroí) além de ter boa variedade etnica (tem negro, latino, indio asiático, etc.) Então to muito mais motivada pra esse filme do que fico normalmente com a maioria dos filmes de herois (sei que tem gente que gosta de Vingadores mas elenco mais branco que aquele impossível, fora quesó tem uma mulher e ela mal tem um desenvolvimento).

    No mais espero mais variedade de personalidades nesses filmes de heróis porque tem um estigma muito forte do que é ser uma mulher forte (todas elas são solitárias, sérias e “as maduras da equipe” como se mulher não pudesse ser foda, feminina, brincalhona e alegre ao mesmo tempo)

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  10. Concordo com tudo no texto em relação ao trailer, especialmente aquela última cena. Porém, me preocupo que vi muito mulher feminista ultrapassando a critica da sexualização e indo para aquele velho comentário de que ela é “vulgar”, dai por mais que seja uma personagem acho que já parte para um lado bem machista também.

    Pessoalmente acho uma linha muito tenue essa,né? Até porque eu realmente não achei que a roupa era tão sexualizada assim quando vi os trailers – sério mesmo só fui perceber isso depois que vi os comentários – talvez porque devido a personagem ser muito sexualizada pelo público masculino tenha esperado algo bem pior.

    Quanto a roupa ser desconfortável para batalha dai acho pior é o salto. Não sei de conforto em lutas mas faço dança e por vezes dançar somente com malha – que fica na altura desse short mesmo – é muito melhor pro movimento do que se fosse usar aqueles macacões que elas usam normalmente.

    Porém quanto a filme acho duas coisas muito boas: primeiro que tem uma variedade etnica muito maior do que qualquer filme de herói, segundo tem 4 personagens femininas do elenco principal que parecem ter personalidades bem diferentes (normalmente nesses filmes de heroí só tem uma no elenco principal que nem recebe o mesmo bom desenvolvimento que os outros pesonagens)

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  11. Olha, até é concordável alguns pontos, porém a sexualização dos personagens nada mais ´é que cultural também, você reclama da Harley se vestir dessa forma, mas nesses casos geralmente é sempre a mulher que costuma reclamar, pois nos filmes, quadrinhos, mangás e jogos existe uma sexualização do homem também, porém não costuma ter essa reclamação, mas vale salientar que existe uma diferença entre o mundo da ficção e o mundo real. Você como jogadora de videogame deveria entender isso, agora quando da personagem Quiet deu a entender que desconhece sua história, além do mais Metal Gear sempre teve mulheres sexualizadas(algumas), porém só agora que se vê esse bafafá todo, além disso, citou a Laura de SF V, mas porque não citou as outras personagens femininas que também são sexys. No mundo dos jogos as personagens femininas que costumam ser sexualizadas possuem uma história interessante assim como os homens como o Kratos, por exemplo. Quer reclamar de um jogo por causa de roupas e pelas mulheres serem sexualizadas, então vai reclamar com a franquia Dead Or Alive, mas nem isso você citou. O engraçado que não vejo feminista enaltecer personagens femininas de jogos como Chun-Li, ela se tornou popular e uma das pioneiras para o crescente surgimento de mulheres nos games de luta. Não vejo feminista enaltecer Nakoruru, Aya Brea, Jill Valentine, Lightning, Terra de FF VI, Lenneth Valkyrie entre tantas outras. Só que é quando pra discutir que peça deve usar ou não aí vocês levantam da cadeira pra discutir e falar um monte de coisa que já existe há anos, fala sério.

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  12. Vou falar pra você algo que li esses dias e achei muito coerente: Quando a mulher é sexualizada, na maioria das vezes é como objeto e em prol do homem, quando o homem é sexualizado normalmente é para enaltecer masculinidade, homem é raramente usado como objeto. Eu conheço a história da Quiet, mas como falei, achei que foi mais uma desculpa pra ter uma personagem seminua do que um arco interessante da personagem. De fato Metal Gear sempre teve mulheres sexualizada, as Beauty and the Beast Unity por exemplo são sexualizadas e ainda torna o transtorno mental das moças em fetiche. Eu falei dos casos mais recentes, você acha que o argumento só é válido se eu der um histórico de todas as vezes que aconteceu isso? Porque se for, se prepara porque vai ser uma bíblia. Quanto a Laura digo o mesmo, é o caso mais recente e que inclusive entrou em alta na semana, eu quero que pessoas que não joguem videogame também entendam os exemplos, por isso optei pelos casos mais recentes e que foram mais comentados. Dead or Alive não citei porque simplesmente não conhecia o caso da sexualização no jogo, mas obrigada pela dica, pode ter certeza que vou checar. E quanto a feministas não enaltecerem essas personagens, ó, você precisa falar com mais feministas, porque em todos os grupos que eu tô se fala muito dessas personagens que você citou, a Chun Li e a Lightning principalmente, e elas são bem amadas, então não entendo seu argumento aqui. Talvez você só veja isso porque as pessoas pouco se importam com a nossa opinião, só ligam quando pisamos em calos.
    Tem muitas coisas que existem há anos que ao longo do tempo fomos melhorando porque elas não cabem mais no mundo de hoje, logo o “existe há anos” não faz muito sentido aqui.
    No mais, não entendi o “é sempre a mulher que reclama”. Ué, nós é que estamos sendo representadas como objeto, você queria que quem reclamasse?

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  13. Corre que lá vem textão de homem hétero cis branco classe média.

    Achei seu texto internet afora na procura de algumas opiniões quanto a polêmica envolvendo a personagem Laura. Apesar do seu texto não tocar no ponto principal que vem sendo discutindo nos últimos dias, que seria o da roupa alternativa minúscula da personagem (http://i1.wp.com/shoryuken.com/wp-content/uploads/2016/01/sfv-laura-alt-ingame-1.jpg?resize=3456%2C1944), ele utiliza de alguns pontos interessantes ao abordar e comparar a hypersexualização e objetificação com a autonomia sobre o corpo. O seu ponto de vista foi o mesmo que usei para ajudar alguns amigos mais conservadores que confundiam esses dois conceitos.(Se me permite fugir um pouco ao assunto, foi algo que eu não sei se o meu lugar de fala permitiria. Mas felizmente esse é um dos conceitos de esquerda que eu mais desprezo, e adoraria problematizá-lo se não o fosse impedido por ser um exemplar cis branco. Enfim, outro papo.)

    Vou focar meus comentários na polêmica envolvendo Street Fighter V. Minha reação inicial foi de criticar a Capcom e achar de fato um absurdo a exploração sexual da personagem Laura. No entanto, peguei alguns textos pra embasar minhas ideais e o efeito acabou sendo contrário: eu já não tenho mais tanta certeza se isso é tão errado assim.

    Vamos aos pontos:

    Street Fighter sempre hypersexualizou seus personagens. A falta de roupa não chega a ser uma característica exclusiva das personagens femininas. Essa imagem aqui serve para demonstrar todos os personagens da franquia (excluindo os novos da quinta versão), http://img12.deviantart.net/140d/i/2015/119/c/9/street_fighter_characters_by_reinfall-d3gjdvy.png, e nela podemos observar que musculatura masculina a mostra é um lugar comum. Concordo que aí entra muito o que você pertinentemente disse em um dos comentários acima: a sexualização do homem é constantemente associada para enaltecer masculinidade. O que não sei se pode ser utilizado como via de regra, afinal, o personagem com menos peça de roupa entre todos ali é masculino e veste somente uma tanga. Entretanto, é um ponto interessante e que eu gostaria de falar sobre, mesmo que ainda não mude o fato de que Street Fighter costuma economizar nas roupas de seus personagens, tanto masculinos como femininos.

    Voltando ao ponto previamente comentado por você, de fato, são sexualizações com objetivos diferentes. Enquanto uma é para exclusivamente agradar um público alvo masculino, a outra é para enaltecer a masculinidade desses personagens. Mas será que essa característica também não seria danosa? Porque aí entramos em toda uma questão de ditadura da beleza, e do quanto certos padrões são transmitidos a jogadores. Algo que logicamente não se enquadra como simetria quando comparamos a situação das mulheres frente ao mesmo problema, mas nem por isso deixa de ser notável. Óbvio que por se tratarem de lutadores é conveniente que eles sejam retratados com corpos esculturais. Mas até aí, não vejo a necessidade de usar somente uma tanga.

    Dito tudo isso, a situação ainda não foi resolvida. Eu só comentei que tal exploração do ponto de vista sexual de certos personagens não é exclusividade das mulheres. Ainda assim, não se trata de uma simetria. É óbvio perceber quem sai perdendo nisso daí quando pegamos o universo de Street Fighter. Mas é porque eu ainda não toquei na objetificação em si.

    O quanto objetificação é algo problemático? O quanto pode ser considerado algo ultrapassado? Errado? Machista?

    Ao meu ver, a objetificação ocorre em qualquer relação de âmbito sexual. E me arrisco aí a dizer que estaríamos mais próximos de uma simetria. Sim, através da sociedade machista e patriarcal os homens tendem a externar a objetificação, de forma que chega a se tornar um problema para a própria segurança da mulher. Mas a objetificação em si, o fato de você reduzir uma pessoa a seu potencial sexual, é utilizado por ambos os sexos. É algo que nossa própria estrutura biológica o faz, por assim dizer.

    Sendo assim, eu me pergunto o quão danoso seria a objetificação. Principalmente se a gente pega um recorte de uma mídia que conversa mais com um sexo do que com outro. Street Fighter, assim como o gênero dos jogos de luta como um todo, é claramente voltado ao público masculino. Sua fandom é composta majoritariamente de homens. Sua comunidade competitiva, idem. A presença das personagens femininas tem um papel muito mais voltado a agradar o público masculino do que gerar identificação com potenciais jogadoras do sexo feminino. A falta das roupas é do interesse do público alvo. E será que isso, especificamente, é ruim?

    Em obras voltadas ao público alvo feminino, não existem personagem masculinos objetificados? Por mais pobre que meu conhecimento sobre tais obras possa parecer e por mais ridículo que esse exemplo seja, o número de cenas nas quais Taylor Lautner aparece sem camisa na saga Crepúsculo tem realmente um papel de enaltecer a masculinidade do personagem? Ou seria para agradar o público feminino?

    Até onde a objetificação é assimétrica e até onde sua utilização é danosa, principalmente quando pegamos elementos que focam especificamente um sexo? Até onde essa objetificação é prejudicial para as mulheres? Até onde é para os homens? Isso contribui de fato para a continuidade de uma lógica machista na sociedade?

    É isso, abraços e to super aberto a diálogo e convencimento. Não é por ser omi hétero cis branco etc e tal que eu sou um idiota né msm.

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  14. Olá Artur, tudo bom?
    Você pontuou várias coisas, vou tentar responder o que puder.
    Primeiro, não era minha intenção falar da sexualização em si no texto, tiveram muitos outros textos, de moças que considero melhores escritoras que eu inclusive, sobre isso então me foquei nesse argumento que já vejo em discussões há alguns anos. Não vou entrar no mérito do lugar de fala porque acho que não é bem o foco da discussão aqui.
    Concordamos que a sexualização de homens e mulheres possuem intenções diferentes e também que usar o argumento de “ah personagem x é sexualizado também” não é muito válido, então vou entrar na discussão da objetificação.
    Foi interessante você trazer isso porque hoje mesmo tive uma conversa sobre um filme que o homem aparecia sendo objetificado por uma moça. Eu acho que há contextos muito válidos pra se tratar do assunto e entendo que é algo feito por mais de um gênero, mas pra mim, pelo menos como mulher, ser o alvo da objetificação tem um peso muito maior. Somos constantemente reduzidas a objetos, aqui mesmo recebi comentários raivosos de homens me reduzindo a isso porque não gostaram do meu texto. O que minha capacidade de escrever e argumentação tem a ver com sexualidade? Não sei, mas não importa, pra mulher nunca importa porque toda a discussão termina com o famoso “é falta de rola, ninguém quer te comer”. No final das contas, pela história da sociedade, a objetificação da mulher sempre vai ter um peso muito diferente que a do homem, assim como nunca vai existir racismo contra brancos, saca?
    Eu vou ter que discordar dessa coisa da “coisas pra menina e coisas pra menino”. Pra mim esse é outro problema que deve ser combatido, a gente precisa começar a entender que não é coisa pra um e coisa pra outro, e sim um produto é pra qualquer pessoa. Conheci inúmeras mulheres fãs de Street Fighter e outros jogos similares, e é sempre assim, entende-se que a maioria do público é homem, daí a primeira moça fala que curte e de repente aparecem várias, porque gostamos sim, mas nos sentimos acuadas pra falar sobre, além disso, acho possível um jogo buscar agradar o público masculino sem necessariamente ofender o público feminino, porque eu mesma fico desanimada com esses designs e sei que não sou a única.
    Querendo ou não, por mais que eu também achasse bobo, Taylor Lautner nunca vai ser reduzido a “ficar sem camisa” na vida, talvez como brincadeira, mas se ele fosse uma mulher isso não sumiria nunca.
    Eu acho que se pegamos a história da sociedade, a objetificação da mulher pode ser bem danosa sim, porque parte do princípio que aquela personagem mulher está ali para servir homens, assim como mulheres reais na sociedade são sempre forçadas a agradar homens de alguma forma, nos impondo padrões absurdos. Eu sou super a favor de sexualidade ser explorada, até porque é muito tabu, mas pensando na sociedade machista, isso precisa ser feito com cuidado, e se vamos explorar a sexualidade da mulher, que seja feita com foco na mulher, não pro cara ficar olhando a bunda de ninguém no cinema. Quanto mais somos colocadas como objeto na mídia, mais somos encaradas assim na vida real e, apesar de muitos acharem bobagem, isso acaba nos afetando sim no final do dia.
    Já que você falou sobre, é sempre válido lembrar que por ser homem cis hétero branco, você carrega certos privilégios e pessoas com privilégios dificilmente querem reconhecer seu local. Feministas contam nos dedos quantos homens cishet brancos encontraram na vida dispostos a desconstruir, conversar e rever seus privilégios, por isso falamos assim. É aquela coisa, talvez seja notallmen, mas é sempre yesallwomen.
    Ninguém é obrigada a ser paciente, mas eu geralmente estou aberta pra dialogar desde que a pessoa não me ofenda, o que não foi seu caso, por isso li tudo e respondi, e enquanto for assim por mim o diálogo pode acontecer numa boa 😉

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  15. Ai, caramba. Eu estava digitando tudo por aqui, sai da página sem querer e perdi o texto todo. Inferno.

    Bem, de forma muito resumida e sem a mesma paciência de antes, eu só queria dizer que ainda estava refletindo sobre.

    Sim, mulheres sentem mais o peso da objetificação. E de fato a mídia acaba sendo um instrumento para a manutenção de lógicas de poder. Machistas ainda, muitas vezes.

    Eu só então me perguntei o quanto a sexualização da personagem pode incluir significados de submissão e de inferioridade da mulher que acabam sendo refletidos no pensamento machista. Talvez enquanto hétero cis etc e tal eu não esteja conseguindo enxergar isso, mas não consigo mediar o quanto a sexualização feita para o interesse do sexo oposto pode ser tão prejudicial.

    E quando digo a sexualização, falo somente da sexualização em si. Só o tornar sexual. Ele, afinal, é possível? A transformação de um personagem ou pessoa em símbolo de interesse sexual implica necessariamente em uma relação de inferioridade e submissão? Pode existir esse tipo de sexualização sem incluir uma lógica machista e danosa para a mulher? Personagens de Street Fighter podem ser um exemplo disso, por não incluir traços de personalidade que envolvam submissão?

    Por fim, eu ainda estou reflexivo quanto a isso de ”para menino” x ”para menina”. Porque de fato eu já me posicionei contra estratégias de empresas de brinquedos que dividem seus produtos. Não sei se seria incoerente da minha parte. Mas problematizar o conceito de público alvo talvez fuja demais da discussão.

    De qualquer forma, a coisa fica empobrecida quando não temos dados quantitativos que possam nos revelar mais sobre o que estamos falando. É o ”é composto majoritariamente por homens” vs ”existem inúmeras fãs mulheres”. Acredito que eu possa dizer que a proporção de homens que consomem o produto é maior. O que não sei é o quanto a sexualização dá retorno através do interesse dos jogadores, o quanto uma possível falta dela ocasionaria e se, como eu ainda estou pensando sobre, a sexualização da personagem carrega consigo esses discursos de submissão que as mulheres sofrem na pele.

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  16. Como falei, não sou contra excluir sexualização de tudo, mas vai muito do contexto e também de quem faz, pelo histórico da sociedade, as chances de sexualização de uma personagem mulher, numa indústria dominada por homens, ser danosa, é muito grande. Não posso te dizer onde traçar a linha disso, porque na real acho que ninguem vai saber dizer, mas se você encontrar mulheres incomodadas, seja com Laura ou Arlequina, é porque pode ter coisa errada aí. Pra mim um exemplo de sexualidade com empoderamento e não submissão acontece no Dragon Age 2 com a Isabela, apesar deu ter algumas ressalvas, em geral acho um bom caso, mas né, minoria.
    Quanto ao público alvo fugir da discussão, depende de qual discussão. Caso a gente fale do argumento ‘a personagem não é alguém que escolhe as roupas’ então concordo que foge, agora se é a sexualização em geral, talvez não saia, já que isso é colocado pra atrair o olhar do homem padrão.
    Concordo que fica difícil falar do público alvo dos jogos sem dados, não tenho dados específicos do Street Fighter, mas já saíram várias pesquisas colocando mulheres como quase 50% do mercado gamer. E mesmo que o número de mulheres que jogam SF seja baixo, ainda não acho que seja válido usar algo que ofenda parte desse público só para vender (mas também não sou boba e sei que a lógica da sociedade capitalista tá cagando pro desrespeito, contanto que venda, mas né, não é por entender a lógica do mercado que não vou continuar pedindo mudança).
    No mais, é óbvio que cada caso é um caso, mas do que eu venho vendo, um número muito alto usa essa sexualização com uma ideia de “a mulher está aqui para agradar o olhar masculino”.

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  17. Meus parabéns pelo texto maravilhoso, concordo bastante apesar de até gostar desse visual da Arlequina (curto por motivos estéticos, na pratica essa roupa realmente não faz sentido).
    É triste ver uma excelente atriz como a Margot Robbie reduzida a sua beleza, ainda em papéis que seu talento possa ser aproveitado ela nunca está lá sem ter a sexualidade explorada.
    Aliás, sobre a roupa da Magia, a própria atriz que a interpreta, Cara Delevigne, se incomodou e se sentiu desconfortável com a sexualização da personagem.

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  18. Pingback: Problematizando a ficção | Ideias em Roxo

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