Em resumo, um jogo de terror no estilo Heavy Rain. Until Dawn, lançado pela Supermassive Games em 2015, é exclusivo para PlayStation 4 e segue aquela linha de “filme interativo”, bastante cenas e diálogos, mais focado em história e com pouco combate.
Until Dawn fala sobre 8 amigos que todo ano passam o inverno numa casa na montanha. No ano anterior, após uma “brincadeira” de mau gosto, Hannah foge para o meio da floresta e sua irmã gêmea, Beth, vai atrás para tentar trazê-la de volta. As duas ouvem barulhos estranhos na floresta e começam a fugir, mas acabam tropeçando de um penhasco e caindo de lá. Um ano depois que elas foram dadas como desaparecidas, o irmão das duas, Josh, convida o grupo para visitar a casa novamente, mas várias coisas estranhas começam a acontecer.
A história lembra muito aqueles filmes de terror clássicos: um grupo de adolescentes que enfrentam criaturas desconhecidas depois de um evento traumático do passado. Entre eles existem vários romances: Emily é ex do Mike e namora Matt, mas talvez ainda tenha um caso com o ex, Jessica é atual do Mike e fica incomodada com Emily, Chris tem uma queda por Ashley e a “brincadeira” feita com Hannah acontece porque Emily tem ciúmes dela com Mike. O interessante é que o jogo usa isso, não só para cenas de brigas entre os personagens, mas há uma página de status no menu em que podemos ver o quanto eles gostam um dos outros, que pode afetar certas decisões no jogo.
O jogo é dividido em 10 capítulos e só depois de ser zerado uma vez que você pode voltar para cada capítulo e refazer suas escolhas. No começo, Until Dawn já nos apresenta o mecanismo efeito borboleta: a cada decisão grande, borboletas aparecerão na tela e no menu podemos ver essas decisões e suas consequências mais tarde. Também podemos encontrar objetos que mostram o futuro e podem nos ajudar com certas escolhas.
Apesar de certos eventos do jogo não mudarem muito de acordo com o que você escolhe, é responsabilidade totalmente do jogador de manter os 8 adolescentes vivos e as mudanças nos fazem querer jogar mais de uma vez para tentar encontrar todas as pistas e finais. Apesar dos eventos parecerem todos distantes um dos outros e que o jogo vai adicionando inimigos sem motivo, no final tudo se conecta e faz sentido.
Há vários vídeos nos extras mostrando como o jogo foi feito, inclusive com os atores que fazem os personagens falando sobre como foi. Aliás, os personagens são um dos motivos pelo qual o jogo é tão divertido, nos pegamos odiando e amando alguns deles, entendendo seus jeitos e motivações. Quando eu joguei, tudo que eu queria era que Mike e Emily se ferrassem enquanto Sam saísse da casa sã e salva.
Apesar do elenco balanceado entre homens e mulheres, a representação acaba por aí. Matt é negro e Emily é japonesa, mas de resto, todos os personagens são bem padrão e nenhum deles dá qualquer indício de ser LGBT+ (apesar de existirem teorias sobre Sam ter sido apaixonada por Hannah). Além disso, até onde eu vi da minha playthrough, Jessica e Sam precisam percorrer certas partes do jogo com roupa de baixo ou usando apenas uma toalha (no caso de Jessica depende do que você fizer, mas pelo que vi a Sam andando praticamente nua é obrigatório). Nenhum dos meninos passa por isso, muito pelo contrário, estão muito bem vestidos. Apesar de bastante mulheres, também acho que o jogo cai em alguns estereótipos “Garotas Malvadas” que já é bem batido.
No quesito terror, o jogo ajuda a preencher aquele vazio que temos com jogos do gênero, há alguns anos se fala sobre a falta de terror nos games que ultimamente teve poucos títulos (sendo alguns deles Amnesia, Outlast e Alien). Há vários sustos em Until Dawn, muitos deles inesperados e alguns momentos que tive vontade de passar o controle pra alguém porque tinha medo de passar de certas partes, mas consegui jogar tudo numa tacada só (menos de dois dias). Talvez depois de uma adolescência jogando Fatal Frame e Silent Hill eu esteja um pouco calejada de jogos de terror, então parte de mim achou que, por mais que tomasse sustos e gritasse enquanto jogava, Until Dawn é um jogo com um nível de terror médio (Silent Hills P.T. me deixou bem mais tensa).
Ao mesmo tempo em que por um lado não seja um terror apavorante, o jogo sabe muito bem como construir tensão e quando te pegar de surpresa, o que faz até os que já jogarem se assustarem. Until Dawn também tem uma mecânica muito interessante, que é uma das minhas partes preferidas: em certos momentos falamos com um psicanalista e nessas horas podemos escolher as coisas que mais nos assustam: Espantalhos ou palhaços? Baratas ou cobras? Altura ou afogamento? Isso vai alterando o jogo, alguns aspectos são bem utilizados, como o palhaço e o espantalho, mas outros acabam aparecendo bem menos.
Outro aspecto que ajuda na tensão do jogo é uma das formas de usar o controle. No começo, o jogo vai te pedir pra escolher e se você pegar a opção de controle mais interativo, a jogabilidade toda pode ficar mais difícil. Além disso, existem os momentos em que precisamos ficar com o controle completamente parado, caso contrário o sensor detecta e podemos perder algum personagem por uma respiração errada.
Eu sei que o estilo “filme interativo” irrita algumas pessoas e em certos momentos a história cria expectativas que não cumpre, mas no geral achei Until Dawn bem divertido e um jogo obrigatório pra todo mundo que tem PlayStation 4. É divertido ir descobrindo as coisas, tentando salvar os adolescentes e jogando mais de uma vez. Recomendo bastante, ainda mais para os fãs de terror clássico.
Abaixo farei mais comentários com spoilers, então se você não jogou ainda, vai jogar e volta aqui.
Uma das coisas que eu mais gostei no jogo acabou também sendo uma das coisas menos exploradas. Entre um capítulo e outro, como já mencionei, um personagem desconhecido conversa com um psicanalista, que ajuda o jogo a definir alguns dos sustos que você vai levar. Por um lado é genial, o jogo ir mudando de acordo com o que você mais teme, mas como já comentei, não é sempre que é bem usado.
Eu tinha achado muito interessante como esse “paciente” parecia ser o próprio jogador, como o ambiente ao redor do médico ia mudando de acordo com a fase do jogo ou das suas respostas. Isso tudo me lembrava muito Rule of Rose, um jogo de terror muito esquecido e falho em certas coisas, mas que pra mim faz acertos importantíssimos, como ir mudando o cenário de acordo com a mente da protagonista. O médico fala sobre você não ter o direito de jogar com os outros, pergunta quem você pensa que é para decidir o destino dos personagens. Isso é genial, porque é basicamente o que fazemos com qualquer videogame, então acreditei que isso seria alguma metáfora para o ato de jogar.
No final das contas, o personagem misterioso era Josh, ainda traumatizado com o que aconteceu com suas irmãs, que precisa conversar com seu psicanalista enquanto bola uma vingança para os amigos “responsáveis” pelo que fizeram com suas irmãs. Não é uma ideia de todo ruim, mas eu esperei bem mais. Também tem o fato de o psicanalista não fazer muito sentido com a cronologia em que os capítulos vão acontecendo e mais para o final do jogo nem vemos o que aconteceu com o personagem. Entendo que o cenário foi mudando de acordo com os pensamentos de Josh, mas a atitude agressiva do psicanalista não parece fazer muito sentido nesse contexto, a menos que seja uma interpretação que Josh tem do médico.
Achei interessante o jogo ter usado o mito do Wendigo, fazia muito tempo que não ouvia sobre, sendo a primeira e única vez durante um episódio de Supernatural (o que me ajudou a saber o que decidir em certos momentos sem deixar alguns personagens morrerem). Não é um monstro muito comum de ser usado e encaixou com toda a ambientação da montanha ser importante para os povos nativos. Porém, achei que o jogo perdeu uma chance de representatividade desses povos, que é bem difícil de encontrar, e com toda a temática teria sido bem legal se um dos adolescentes fosse dessa origem e entendesse que devem respeitar os espíritos da natureza e tivesse informações a mais sobre o Wendigo.
De qualquer forma, ainda acho que é um jogo que vale a pena ser jogado. Pra quem possa estar curioso, no meu jogo só sobreviveram Sam, Emily e Matt e vários palhaços me assustaram, mas confesso que na primeira conversa com o psicanalista saquei o motivo das perguntas então fui respondendo tudo ao contrário. Ainda vou voltar a jogar, tentar salvar todo mundo e responder tudo certo para ser perseguida por espantalhos.