Quem sentiu falta do Demolidor? Quase um ano depois do lançamento da primeira temporada, os fãs agora podem ver a continuação dos acontecimentos de Hell’s Kitchen em 13 novos episódios. Muita gente anda falando por aí que essa temporada é melhor que a primeira. Eu sinceramente não sei se concordo, na primeira temporada eu não esperava muito, então a série superou minhas expectativas e poucas coisas me incomodaram. Com a segunda temporada eu esperei bastante e, ao mesmo tempo em que gostei de muitas coisas, não gostei de outras. Lembrando que a minha crítica é baseada unicamente na série da Netflix, até porque não li o quadrinhos.
Começamos vendo Matt, Foggy e Karen tentando tocar a Nelson & Murdock sem falir, mesmo com o sucesso do caso de Fisk. Enquanto isso, descobrimos que existe um novo “herói” na cidade que está eliminando todas as gangues que tentam tomar a posição deixada por Fisk. Esse é o Justiceiro, interpretado por Jon Bernthal, que começa a temporada matando uma gangue de irlandeses.
Os primeiros episódios aparecem como um arco introdutório para o caos que continua em Hell’s Kitchen e, ao mesmo tempo, na vida de Matt, então nada mais adequado que, depois dos produtores explicarem como estão as coisas, apresentarem uma personagem que vai ser fundamental para o resto da temporada: Elektra, interpretada por Elodie Yung.
Tecnicamente Demolidor continua tão incrível como antes, a fotografia é sensacional e por momentos me vi olhando para alguns planos realmente impressionada com o trabalho feito. As cenas de luta continuam divertidas e violentas, inclusive para o meu gosto talvez até violentas demais. A impressão que tenho é que em quantidade, a segunda temporada teve menos momentos violentos, mas certas cenas foram tão gráficas que me questionei sobre a necessidade delas serem feitas de tal forma.
Nessa temporada há vários conflitos acontecendo ao mesmo tempo, ao contrário da primeira em que Fisk era o “vilão principal”, na maior parte da segunda temporada não sabemos exatamente quem ocupa esse espaço, o que acabou fazendo com que certas revelações fossem anticlimáticas.
Por um tempo eu achei que não ia gostar nada da participação do Justiceiro na temporada, mas no final acabei me deparando com um personagem complexo, que com certeza tem suas falhas, mas que tornou a temporada mais interessante. Ele teve espaço para crescer, errar, funcionando quase como uma força da natureza que não tem piedade, só vai eliminando os que ele considera que merecem. Tanto ele quanto a Elektra são personagens que fazem o Demolidor desafiar o que ele acredita como herói.
E talvez seja exatamente isso que eu gostei tanto na temporada. Por mais que Fisk fosse um vilão que servia como o clichê “nós não somos tão diferentes” para o protagonista, Matt sempre teve maior influência de Foggy e Karen, quase como se fossem os “anjos” em seu ombro. Matt não desistiu de seu papel como o Demolidor, mas sua vida normal e sua vida de herói pareciam sob controle.
O Justiceiro e a Elektra mostram um outro lado de “fazer justiça com as próprias mãos”, mas será mesmo um outro lado? O interessante é esse conflito ético, por mais que o Demolidor não mate, ele também passa por cima de várias questões para fazer o que acha certo. Qual é o limite de fazer justiça você mesmo, existe o limite? Num lugar tão caótico quanto Hell’s Kitchen, a diferença entre o certo e o errado fica muito borrada para várias pessoas. E é bom que seja assim, eu gosto de ver um Matt com dúvidas e que nem sempre faz o certo (apesar de me questionar se certas atitudes estão dentro do personagem, mas falo isso mais para frente). Nessa temporada Matt acaba destruindo parte de sua vida para manter o Demolidor agindo.
Enquanto as questões éticas e sociais que a série levanta são muito interessantes, acredito que os arcos de narrativa e personagens tenham tido altos e baixos. Primeiro que, como já mencionei, talvez pela falta de uma ameaça mais presente ou excesso de elementos novos, certos momentos do final ficaram anticlimático. Ao mesmo tempo em que certos personagens tiveram seus arcos bem trabalhados, sinto que outros foram deixado de lado.
A partir daqui a crítica terá spoilers.
Vamos começar falando das coisas boas. Adorei a Karen nessa temporada foi Karen, ela vai mudando sem perder a essência de sua personagem e, por mais que não seja formada em Direito, acaba carregando não só parte de Nelson & Murdock nas costas, como também o arco que é focado nesse núcleo. Pra mim ainda faltou um pouco mostrar algumas marcas que os eventos da primeira temporada deixaram, mas eu gostei muito de ver uma personagem como Karen, que fisicamente não luta como outros personagens, se virando e buscando fazer o que acha certos com os meios que ela tem. Inclusive sua relação com o Justiceiro foi um dos pontos altos dessa temporada, adicionando mais complexidade nos conflitos éticos da série.
Foggy, apesar de parecer perder espaço na série, também foi outro personagem usado muito bem. Ele acredita no sistema de justiça e rouba a cena durante o arco que mostra o julgamento do Justiceiro, peitando de frente Samantha Reyes, a promotora, mesmo não tendo tanta experiência quanto ela. E como já falei, o Justiceiro foi uma surpresa muito feliz, assim como também ver que Fisk não foi esquecido, que mesmo estando preso, ele continua agindo, o que faz todo sentido.
Também gostei de ver muito Karen e Foggy conseguindo seguir com suas vidas depois dos problemas que o escritório teve. Foggy é reconhecido pelo seu talento e recebe uma proposta boa de emprego, enquanto Karen consegue seguir fazendo o que acredita como jornalista. Além disso, Claire faz suas aparições, mostrando também que existem pessoas dispostas a jogar tudo fora porque não suportam lidar com manipulações e sujeiras de instituições.
O arco de Matt é algo que me deixou dividida. Apesar dele estar me irritando como pessoa, como personagem achei interessante. Demolidor fala muito sobre a questão do certo e errado, da justiça com as próprias mãos, os fins que justificam os meios. Tendo essa mensagem em mente, o protagonista não pode ser sempre bonzinho, com atitudes sempre corretas perdoadas pelo roteiro. Acredito que a série acertou ao fazê-lo decepcionar Foggy, largar o escritório que construiu com o amigo e esconder coisas das pessoas com quem se importa. No final, Matt não tem perdão, não sabemos como ficará sua relação com Foggy e a última cena literalmente deixa em aberto a reação que Karen terá quando vê seu capacete de Demolidor.
Apesar da cena ter me incomodado bastante, achei interessante eles colocarem na série Matt ameaçando Vanessa para controlar Fisk. Ele pode até ter boas intenções, mas não é legal ameaçar uma pessoa – ainda mais uma mulher para persuadir o parceiro – que não tem nada a ver com a situação, para manter outra na linha. Matt não é sempre bom e a série mostrou que mesmo ele julgando o “os fins justificam os meios” do Justiceiro e da Elektra, às vezes ele pode fazer igual.
Porém certas atitudes nele, que até podem fazer sentido, para mim não pareceram encaixar tão bem, mas pra falar delas eu vou ter que falar de uma das coisas que mais me incomodou na temporada: Elektra.
Eu queria gostar dela, queria mesmo, ignorei alguns comentários negativos que fizeram sobre a personagem e busquei ver sentido em suas ações. Não espero que a personagem que obviamente não é uma heroína só tenha atitudes moralmente boas, aliás pelo contrário, até onde conhecia de sua história nos quadrinhos ela era uma vilã, às vezes anti-heroína. Além disso, eu sou totalmente a favor de personagens mulheres que tenham várias falhas, afinal não são só as “boazinhas” que merecem amor.
Dito isso, Elektra me pareceu mal desenvolvida. Eu tentei entender o que ela fazia, mas em vários momentos não conseguia vê-la além de uma moça mimada com alguma obsessão pelo Demolidor. Inclusive em alguns momentos parecia que ela estava ali para servir como “rival” de Karen, o que não só é irritante, mas também reforça aquela ideia de “a moça branca é santa, a outra não branca é falha, que deve ser largada ou consertada”. Como já falei, não li os quadrinhos, mas essa Elektra não me convenceu. Não acredito que tenha sido culpa da atriz, mas de uma leitura da personagem que parece não existir além de servir para algum propósito no arco de Matt.
E daí todo o romance deles me pareceu meio sem sentido. Primeiro ela vai atrás dele, dizendo que não quer voltar, só quer ajuda, mas daí eles começam a se declarar, mesmo que Matt tenha dado a entender que não a suporta. Eu até entendo um Matt na faculdade que é influenciável, mas na série ele é um adulto e a tentativa do roteiro de colocar a “culpa” dos erros de Matt na influência de Elektra me pareceu muito raso. Sem contar ele insistindo que ela precisa mudar e convencendo-a a salvar Stick, um homem que tentou matá-la, e no final ela concorda com o Demolidor porque… Sei lá? A mudança de atitude dela naquele final não fez nenhum sentido pra mim, assim como a atitude de Matt de “não te suporto” e depois virar “vamos fugir juntos porque eu sou o único que acredita em você” não só é difícil de engolir, como não me parece um relacionamento saudável.
Entendo que a Elektra da série é uma mulher que se esconde atrás de uma armadura de parecer confiante e que busca aceitação, mas não gostei nada de como o roteiro trabalhou ela buscar essa aceitação de Matt, muito menos aquele discurso antes dela morrer. Aparentemente ela vai voltar na próxima temporada, então eu realmente espero que essas falhas em seu arco sejam melhoradas. Também vale comentar que eu fiquei muito feliz dela não ter uniformes sexualizados.
Além de boa parte dos vilões ainda serem estrangeiros, demorei pra entender exatamente o que A Mão queria, confesso que ainda acho que deixei algumas coisas passarem. Apesar deu ter achado o último episódio empolgante, as cenas com Nobu poderiam ter sido bem mais interessantes.
Dito tudo isso, no geral eu gostei da temporada e acho que teve mais pontos positivos do que negativos, talvez a quantidade de coisas novas na temporada tenham feito os produtores se perderem em alguns dos arcos que mencionei, mas me vi empolgada com o gancho do final e vou ficar aqui mais um ano (ou mais, vai saber) esperando pra ver o que vai acontecer. Afinal, ao contrário do final feliz da primeira temporada, essa segunda teve uma pegada mais pesada e uma sensação de “ainda não acabou”.
Não é querendo problematizar a série mas…
Você comentou isso da Elektra e eu concordo completamente, fiquei muito incomodada com isso, e me fez lembrar do que eu tinha parado pra pensar sobre essa série enquanto assistia. Na primeira temporada eles matam o Ben Urich (jornalista negro), até onde eu sei, ele se encontra vivo nas HQ’s, ok. Nessa temporada temos a promotora Reyes como vilã (mulher negra), culpada pela morte da família do Castle, fora o assistente dela (também negro).
Veja, eu amo ser representada, mas ver isso me deixou com um pé atrás com a série. Eu espero realmente que seja só exagero da minha parte, até por que é uma boa série.
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