Heróis, vilões e como encaramos a política

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Acredito que você que está lendo sabe que estamos passando por tempos complicados na política brasileira. Eu evito trazer esses assuntos para cá porque, apesar de serem importantes, aqui é um espaço de nerdice. Mas eu também tenho essa mania de relacionar coisas da vida real com as da ficção e dessa vez não foi diferente.

Esse texto vai além de “a vida imita a arte e a arte imita a vida”, eu não vou sentar e falar sobre as semelhanças entre a segunda trilogia de Star Wars e o que vimos acontecendo no último domingo, até porque as imagens da Padmé dizendo “É assim que a democracia morre, com muitos aplausos” passou por várias páginas. Na verdade eu queria falar sobre outra coisa que tem acontecido muito e que, além de me irritar, eu acredito que afeta muito o debate e o entendimento político do brasileiro.

Não é só na política que insistimos numa espécie de pensamento binário. As coisas são encaradas como 8 ou 80, “se não está comigo está contra mim”, isso ou aquilo, sem nada no meio ou além. Por exemplo: Sou contra o impeachment e o circo que foi feito pela mídia e políticos sobre o assunto, mas no momento em que eu digo isso eu já sou classificada como “petista” seguido de xingamentos. As pessoas não querem nem saber se eu realmente apoio o PT ou qualquer outro partido e minhas posições políticas, é muito mais fácil me jogar no saco dos “outros” ou até “inimigos”. Você pode achar que ouvi isso na rua pela cor da minha blusa, mas não, na rua não sofri nada, os xingamentos vieram de familiares e “amigos”.

Eu entendo que há momentos na vida em que a gente é forçado a se posicionar, mas isso está muito além do Corinthians x Palmeiras que as pessoas têm feito. O caso mais gritante atualmente é o caso da presidenta, mas quando olho outros aspectos da vida em geral e até dentro de militâncias, vejo uma necessidade de colocar dois lados e a pessoa precisa ir para um grupo do jogo de queimada.

O que eu vejo é uma sociedade que se recusa a enxergar os tons de cinza nas coisas, que não aceita que certas situações não são tão simples e que classifica uma pessoa como petista só pelo fato de não ser a favor do impeachment. Não foram poucas pessoas que vi que votaram no Aécio, por exemplo, e acham um absurdo o que está acontecendo. E aí?

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“Mas o que isso tem a ver com a nerdice?”. Batman vs Superman. Capitão América vs Homem de Ferro. Marvel vs DC. Lannisters vs Starks. Jedi vs Sith. Bem vs Mal.

Não são poucas as histórias que nos dão dois lados e os fãs escolhem um para torcer, proteger e afins. Há casos que esses lados incluem uma questão de bem e mal, a jornada do herói para derrotar o vilão, o mal da história. Não há nenhum problema nisso, existem gêneros da ficção que espera-se algo assim mesmo, a fantasia normalmente tem uma figura do vilão bem visível. O problema é que as pessoas levam essa brincadeira de “escolher lado” na ficção para a vida real. Junte isso com uma dose de nunca querer estar errado e nós vemos pessoas comemorando a vitória de um herói ou de um time da mesma forma que comemoraram o circo de domingo.

Há uma necessidade das pessoas de encontrarem heróis e vilões na vida real, mas as pessoas esquecem que personagens são criados, normalmente com certas intenções por trás, e pessoas são só pessoas. Nossa necessidade de “tomar um lado” e até de “estar certo” fazem com que muitos simplesmente encaixem os “personagens” da vida real em “vilões” e “heróis” e torçam para o seu lado.

Tomar um posicionamento político é diferente de se encaixar nessa queimada que está sendo formada, não só na política atual, mas nos últimos tempos em geral. É mais fácil pegar uma pessoa e considerá-la “o grande herói”, pegar outra para ser “o vilão malvado” e se focar na luta entre os dois, mas não é disso que o debate precisa. Quando debatemos é importante não só ouvir todas as pessoas (não só aquelas que se gabam com diplomas que podem não valer nada), mas também entender que a situação é complexa. E tudo bem, questões que envolvem seres humanos são complicadas mesmo, pessoas vão além de 8 ou 80.

Vemos muitas pessoas colocando a Dilma e o PT na posição de “todo o mal” que assim que for derrotado, trará uma era nova para o país. Não é brincadeira, quantas pessoas não comemoraram no domingo dizendo que agora teríamos um país sem corrupção? Estavam tão felizes em terem derrotado o que enxergavam como Darth Vader que muitos nem viram que Temer e Cunha podem provavelmente nem serem julgados e punidos pelos seus crimes.

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Também vamos ver muitas pessoas colocando Bolsonaro como fonte de todo mal. Longe de mim protegê-lo, eu também fiquei, no mínimo, horrorizada com o que ele falou e com a quantidade de pessoas defendendo (sem contar o que ele já fazia antes). Mas a questão é que Bolsonaros não se elegem sozinhos, ele é uma pessoa perigosa, mas ele não é o único, tirá-lo de seu cargo não vai ser a grande solução dos nossos problemas.

É engraçado até, brincamos na internet que as questões de exatas são as mais complexas enquanto a área de humanas é “fácil”, mas um problema matemático pode sim estar certo ou errado, enquanto um debate de humanas possui inúmeras formas de ser interpretado e não necessariamente possui uma resposta ou posicionamento único.

É muito legal comparar ficção com realidade, encontrar exemplos em histórias para entender coisas da nossa vida. Acho muito interessante quando professores passam filmes como V de Vingança ou Jogos Vorazes para explicar algo político. É interessante ver uma criança ou adolescente usando X-Men para entender a questão do preconceito. Mas as histórias estão aí para nos fazerem refletir e não para serem seguidas ao pé da letra. Não podemos bater uns nos outros como o Batman e o Superman fizeram.

Enquanto tivermos essa mentalidade binária que muitas histórias de fantasia e de super-heróis apresentam, nós não vamos conseguir nos focar em encontrar soluções porque estaremos muito preocupados em “derrotar o inimigo”. Até porque ninguém quer se encontrar no lado do vilão, então a necessidade e urgência de provar seu lado é ainda maior, o que resulta nas demonstrações de ódio que andamos vendo.

Essas questões da ficção são importantes, por mais que Batman vs Superman tenha feito os fãs escolherem lados e mudar fotos de perfil, e por mais que eu particularmente não tenha gostado, foi um filme que me fez refletir sobre a posição do “grande herói” numa sociedade. Mas Batman e Superman não existem, assim como X-Men e Jedi não existem, o que temos são as mensagens dessas histórias que precisam ser filtradas antes de serem levadas para nosso cotidiano.

Precisamos entender que enquanto tivermos essa ideia de que estamos em um jogo de futebol, enquanto tentarmos colocar alguém como “salvador” e outro como “fonte de todo o mal” não vamos conseguir encontrar soluções que realmente funcionem, porque na ficção derrotar o grande monstro pode sim ajudar e ser o “objetivo final”, mas aqui na vida, em que somos apenas pessoas complexas, precisamos de outras respostas.

Observações importantes:

  • Apesar de não suportar Bolsonaro, eu não acho que ele é o único problema. Não estou falando só de outros nomes na câmara, mas como disse, Bolsonaro foi eleito e não foi sozinho, se ele e outros estão lá, é porque existe esse pensamento na nossa sociedade. Isso não significa que você não possa se preservar, eu não vou excluir alguém da minha vida por uma opinião contrária, mas opinião é preferir DC ou Marvel, o que Bolsonaro e outros fazem não é opinião, é discurso de ódio e isso ninguém precisa aturar. Quando Bolsonaro homenageia Ustra, que torturou Dilma, ele não só está desrespeitando as pessoas que sofreram na ditadura, mas desrespeita a existência de várias pessoas. Como mulher eu me senti ofendida e desrespeitada.
  • Às vezes estamos em situações que de fato não dá pra ficar no muro, mas há mais de uma posição entre A e B. Todos vão ter algo a dizer sobre o impeachment, mas nem todo mundo que é contra é contra pelos mesmos motivos, assim como nem todo mundo que é a favor é a favor pelos mesmos motivos. Também podem existir pessoas que não sabem se são contra ou a favor, assim como outras opiniões vão surgir. O meu ponto é: a mentalidade binária não ajuda ninguém, há mais de um posicionamento por aí, assuntos políticos são complexos.
  • Independente da sua posição em relação ao impeachment, nada justifica ser machista quando fala sobre a presidenta. Uma coisa é ter uma opinião, por exemplo, achar a gestão dela ruim e querer mudanças, outra é fazer discurso de ódio porque ela é mulher.

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