Vamos falar sobre a Sarah | 30 anos de Labirinto

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“Ah Clarice, mas você já escreveu sobre Labirinto”.

É verdade, mas vou escrever mais.

Labirinto ainda é o meu filme favorito de todos os tempos. Sempre brinco que eu e o Duncan Jones temos algo em comum: Começamos a amar cinema com o mesmo filme.

O longa conta a história de Sarah, uma adolescente que acha a vida muito injusta. Um dia, quando ela tem que tomar conta do irmão mais novo, Sarah deseja que ele seja levado pelo rei dos duendes. O problema é que ela não achou que ia funcionar e, quando percebe, seu irmão está preso no labirinto. Jareth, o rei dos duendes, diz que se Sarah quiser o irmão de volta, ela precisa ir até o castelo no meio do Labirinto em menos de treze horas.

Parece bobo, ainda mais comparando os bonecos com a tecnologia que temos atualmente, mas Labirinto tem muitas mensagens interessantes que inclusive já comentei por aqui.

Mas hoje eu quero falar da Sarah, a protagonista, uma das personagens que, na minha opinião, é um exemplo positivo de mulher na ficção.

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Como acontece com alguns adolescentes, Sarah não tem muito do que reclamar da vida, mas mesmo assim fala que as coisas não são justas com alguma frequência. Apesar de ter visto esse filme quando ainda era criança, eu conseguia me identificar com aquela sensação, mesmo também não tendo um irmão mais novo.

Sarah tem um desenvolvimento de personagem muito interessante ao longo do filme. Ela erra bastante no começo, tanto nos enigmas do Labirinto quanto ao mandar o irmão para os duendes. Ao contrário do que outras histórias fazem, o filme não condena Sarah por isso. É óbvio que a aventura só existe por causa desse erro, mas é muito comum em outras histórias que garotas adolescentes seja duramente julgadas pelos seus erros. Enquanto nos filmes os garotos podem errar e serem perdoados, as moças são cobradas muito mais, são punidas muito mais e todos exigem demais delas, tanto pela história em si quanto pelo público. Adolescência é uma fase que lembramos e pensamos “como eu fui fazer isso?” e é normal do ser humano errar. Labirinto acerta em dar espaço para Sarah errar, ela precisa passar por desafios e por vezes parece mimada, mas no caso dela isso não é feito para o público odiá-la, e sim para mostrar uma adolescente aprendendo e conquistando espaço, como deve ser.

Ela passa boa parte do filme dizendo que as coisas não são justas, mas quando mais tarde a confrontam com a mesma frase, ela diz “não é mesmo, mas é assim que as coisas são”. Sarah aprendeu que a vida é injusta, ela pode reclamar, mas também precisa tentar agir.

São inúmeros desafios que Sarah encontra no labirinto, mesmo que não lute ou tenha magia, ela usa as armas que pode: a inteligência. Não só nos enigmas, mas também para contornar situações, como salvar Ludo. A criatura estava sendo atacada por quatro soldados e Sarah não tinha como competir, mas usou a esperteza para ajudar o futuro amigo.

Apesar dela não ter uma lança como Sir Didymus, Sarah se mete nas cenas de luta também e faz o que pode para derrotar os duendes inimigos. Tudo bem, aquelas criaturas não são exatamente assustadoras, mas vamos lembrar que é um filme infantil dos anos 80.

Com certeza o maior inimigo é Jareth, o rei dos duendes. Além de fazer praticamente tudo com magia, inclusive manipular o tempo, Jareth tenta enganá-la com seus sonhos de adolescentes. Ele tenta agradá-la, faz dela uma princesa dentro de um baile e praticamente oferece uma vida em um conto de fadas. Vamos lembrar que no começo do filme Sarah é vista interpretando uma cena de um livro, então ela é o tipo sonhadora que se imagina em aventuras fantásticas. Jareth literalmente oferece à ela seus sonhos.

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E como toda boa aventura, Sarah quase falha. Perde horas preciosas, fica enfeitiçada por um tempo e por minutos esquece o que estava fazendo ali. Mas mesmo com o poder de Jareth, Sarah continua usando sua melhor arma, sua esperteza, para chegar até o objetivo. O rei dos duendes ainda tenta, mas Sarah já amadureceu, já entendeu que antes de viver em um conto de fadas, ela tem responsabilidades, uma delas é salvar o irmão, consertar o erro que cometeu. Sarah ensina que tá tudo bem errar, tá tudo bem crescer, mas é preciso sim encarar o problema de frente para podermos avançar de fase.

Tem uma outra mensagem muito importante na relação de Sarah e Jareth. Mulheres são ensinadas desde cedo que devem esperar o príncipe encantado para nos fornecer o conto de fadas. Jareth oferece o conto de fadas, mas Sarah é mais que uma princesa que precisa de um rei para dar sua felicidade, ela é a rainha conquistadora que pode conseguir o seu objetivo. E o conto de fadas é uma farsa, Jareth tenta controlar Sarah, manipulá-la para vencer o jogo e ganhar mais um irmão indesejado. Não vamos esquecer que Jareth é o rei dos duendes e uma das características de duendes em geral é enganar outros. Não é pra menos que “Você não tem poder sobre mim” é a frase que faz a heroína ser vitoriosa.

Sarah nos ensina que homem nenhum, seja o rei do que for, pode nos controlar, muito menos em cima de algum erro que cometemos (ou se colocarmos em contextos atuais, em cima de qualquer característica de uma mulher). Sarah nos mostra que não podemos nos sentir intimidadas por nenhum homem e que temos o poder de enfrentá-lo, temos o direito de dizer não. Com uma frase ela mostra que eles vão tentar, mas não podem nos controlar.

Por mais sonhadora que Sarah fosse, ela escolheu a responsabilidade e saiu do labirinto. Lembro de passar parte da minha infância odiando aquela escolha. Eu via em Sarah muito em mim, eu reclamava como ela, eu queria viver numa aventura como ela, daí quando Sarah tem a chance, ela abandona? Só com o tempo eu fui entender que, não só o que Jareth oferecia não era o que parecia, mas também entendi que foi a melhor escolha que ela poderia ter feito. Como personagem, Sarah teria perdido todo desenvolvimento se tivesse ficado no labirinto, ela era a heroína e tinha que derrotar o vilão, se aceitasse ficar, sua jornada não significaria nada. Sua resposta no final é um reflexo de todo amadurecimento que ela ganhou durante o filme.

Sarah amadureceu, entendeu seu erro e consertou, salvando o irmão. A gente até pode acreditar que isso significa que crescer é deixar as coisas da infância para trás, mas como vimos, Sarah não abandona nada. A última cena é essencial pra mensagem do filme, quando o longa mostra Sarah festejando com seus amigos duendes do labirinto, a mensagem é que sim, você vai ser adulto e vai ter responsabilidades, mas não necessariamente deve esquecer as coisas da infância que te marcaram.

Quando eu digo que ela é uma das melhores heroínas da ficção, e uma das minhas favoritas, é porque ela encara tudo que tem que encarar, erra, aprende, amadurece, não abaixa a cabeça e ensina mais um monte de lições.

Então essa é uma pequena homenagem ao meu filme favorito e uma das minhas heroínas preferidas da ficção. Parabéns Labirinto por 30 anos de magia e duendes dançantes!

2 comentários sobre “Vamos falar sobre a Sarah | 30 anos de Labirinto

  1. Esse filme é mesmo incrível! Mas eu vi tem tempo, nem tinha digerido por esse viés feminista! Vou assistir de novo com isso em mente *o*~

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