Esquadrão Suicida estreia essa quinta-feira. Depois de muitas pessoas empolgadas, polêmicas, muitas cenas e informações “vazadas”, finalmente veremos o resultado final. Eu já comentei algumas vezes o quanto certas coisas divulgadas do filme tem me incomodado.
Há muitos debates sobre a sexualização da Arlequina, desde a roupa que ela usa no filme até enquadramentos de câmera mostrados no trailer. Mas hoje especificamente eu gostaria de falar sobre outro aspecto ao redor da personagem da Arlequina que tem sido muito comentado ultimamente.
Antes do filme do Esquadrão Suicida começar a ser produzido, já tínhamos discussões sobre o relacionamento da Arlequina com o Coringa. Muitas pessoas romantizam essa relação como se fosse algum exemplo perfeito de amor no meio nerd. Com o lançamento do filme se aproximando, muitos ainda insistem em falar que, apesar de complicado, é um relacionamento em que os dois se amam independente de qualquer coisa.
Esse texto é para explicar que não há romance nesse relacionamento, é abuso.
O relacionamento abusivo existe quando uma das pessoas tenta ter o poder sob a outra. A pessoa abusiva busca controlar as ações do parceiro, tem um comportamento possessivo e machuca a outra no processo, podendo ser psicologicamente ou fisicamente. A Arlequina passa por tudo isso durante seu relacionamento com o Coringa, tanto nas animações quanto nos quadrinhos e romantizar isso como “complicado, mas que se amam” é um desserviço.
A Arlequina apareceu pela primeira vez no Batman durante a série animada, em 1992, como uma ajudante do Coringa. A personagem fez tanto sucesso e os criadores ficaram tão encantados com o resultado final que Arlequina acabou aparecendo mais vezes. No quadrinho Mad Love (Amor Louco) nós ficamos sabendo a origem da personagem, que já mostra como realmente era a relação entre ela e o Coringa.
O quadrinho começa mostrando Coringa e Arlequina atacando o comissário Gordon, mas Batman chega para salvar o dia. Arlequina tenta atacar o Batman, mas logo depois Coringa a puxa agressivamente pelo seu chapéu, gritando com ela porque ele ainda não tinha dado a ordem para Arlequina atacar. Além do abuso físico, Coringa é tão controlador que quando Arlequina tenta agir por sua conta, ele grita com ela. Depois disso, Arlequina tenta animar o Coringa, que está bravo por não ter conseguido acabar com o Batman. Quando ela começa a irritá-lo, ele grita com ela e a empurra para fora de casa.
Vemos todo um flashback sobre como a doutora Harleen Quinzel se apaixonou pelo Coringa e o ajudou a fugir de Arkham. Arlequina então resolve capturar o Batman e realizar o plano do Coringa. O problema é que tinha um detalhe que não o deixava feliz e ele não conseguia consertar, mas Arlequina consegue mudar o detalhe necessário para o plano ser perfeito.
Quando Arlequina captura o Batman, ela conta para ele seu plano. Batman ri porque ele sabe que Coringa é manipulador e pergunta qual das “histórias tristes” a enganaram. Em vários momentos da DC, vemos o Coringa mudando histórias do seu passado dependendo de quem está ouvindo. Uma das características de um abusador é manipular sua vítima, uma dessas formas é inventar coisas, ou até usar um fato real ao seu favor, para fazer a outra pessoa cair em sua conversa. É exatamente isso que o Coringa faz para conquistar a atenção de Arlequina.
Ela não aceita essa verdade e liga para o Coringa, ela quer provar que conseguiu capturar o Batman. Assim que chega, ele a agride, fisicamente e verbalmente, dizendo que apenas ele deveria conseguir derrotar o Batman. Afinal de contas, ele se acha melhor que ela, e complexo de superioridade também é algo comum em relacionamentos abusivos. E é uma características comum da nossa sociedade, muitos homens não aceitam que as suas companheiras sejam melhores que eles em qualquer coisa. Se isso já não era ruim o suficiente, ele também a joga pela janela depois.
No final, Arlequina está no hospital, bem machucada e pensando que chega de Coringa na sua vida. Mas isso dura pouco, assim que ela recebe uma mensagem dele, querendo que ela se cure logo, a Arlequina volta para o pensamento de antes: Eles podem ser felizes juntos.
Manipulação, agressão e complexo de superioridade em um quadrinho só. Mas não é só em Mad Love que isso acontece, o comportamento se repete em vários momentos e eles continuam sendo colocados juntos.
Em Batman: Harley Quinn de 1999 o Coringa tenta matar a Arlequina. Sim, ele resolve que ela precisa morrer porque ele está começando a ter “sentimentos” pela Arlequina. Ela consegue escapar, fica furiosa, diz que ele nunca se importou com ela de verdade, está a ponto de atacá-lo… Aí ele pede desculpas e ela aceita. O Coringa é manipulador, ele sabe que no fim do dia, não importa o que ele faça, se ele precisar dela, a Arlequina vai voltar. Ele sabe exatamente como manipular os sentimentos e as ações dela.
Em Batman City Sirens #21 temos uma sequência muito interessante. Depois de uma conversa com a Mulher-Gato e a Hera Venenosa, Arlequina resolve se vingar do Coringa por todo mal que ele fez. Quando ela o encontra, a primeira coisa que ele diz é o quanto sentiu falta dela. A partir daí, o quadrinho vai mostrando várias cenas de memórias da Harley, que começam mostrando o abuso que ela passava, até memórias boas, que fazem com que ela o perdoe mais uma vez.
A cena faz parecer que a Arlequina está deixando toda a raiva passar e chegando a conclusão de que apesar de tudo, os bons momentos valiam a pena. Essa sequência poderia ter sido muito melhor se a intenção não fosse só mais um “vamos criar uma briga e depois a Arlequina perdoa”. É comum que mulheres em relacionamentos abusivos demorem para perceber como a situação é ruim, mas nesse caso me parece só mais uma forma bem ruim de falar “é complexo, mas eles se amam acima de tudo”.
Com Os Novos 52, a história da origem da Arlequina fica um pouco pior. Por mais que agora ela esteja trabalhando com outras pessoas, ainda temos cenas ruins dos dois, incluindo uma em que o Coringa a tranca em uma cela. Mas a diferença é que a origem da personagem foi mudada, incluindo novos elementos abusivos.
Arlequina continua conhecendo o Coringa em Arkham e ela também se apaixona por ele. Ao contrário de como era antes, ela o ajuda a escapar no momento em que sua supervisora descobre que Arlequina está apaixonada pelo Coringa. Quando eles saem de Arkham, o Coringa a leva até a Química Ace e a empurra em um tonel de ácido. É isso que faz Arlequina virar quem é, que muda sua personalidade e aparência. Coringa força a transformação nela, por mais que ela tenha se apaixonado antes, essa mudança forçada acaba diminuindo a personagem. Isso também não deixa de ser uma forma do Coringa tentar isolar a Arlequina, torná-la “só dele”, um comportamento possessivo que acontece em relacionamentos abusivos.
Depois de vários problemas com a história dos dois, na série recente de quadrinhos da Arlequina, ela dá um ponto final definitivo no relacionamento deles, já rolou análise disso aqui. Isso é ótimo, porque depois de vários quadrinhos que romantizam e colocam a Arlequina numa posição muito ruim, finalmente fizeram a personagem superar isso.
Mesmo com tudo isso na história dos dois personagens, ainda há muita romantização do casal. Tanto fãs quanto pessoas dentro da DC acreditam que todas essas coisas deixam o relacionamento mais “interessante”, falhando em perceber o abuso da situação e como é errado colocar os dois como algum tipo de casal modelo dos nerds.
Representação é uma coisa muito importante e forte, se pegamos um relacionamento como esse e colocamos como algo romântico, estamos passando uma mensagem de que isso é aceitável. Parece que é normal uma pessoa agredir aquele que ama, que é aceitável agressões físicas e psicológicas, manipulação e obsessão. Romantizar essa situação passa a mensagem de que isso é só um relacionamento complicado, mas tudo bem porque eles se amam e é isso que importa. Mas aí que tá, não está tudo bem, não é aceitável que alguém faça qualquer uma dessas coisas com outra pessoa. E também é ruim tentar justificar a situação dizendo “os dois são loucos, então é normal”.
Inúmeras mulheres enfrentam companheiros abusivos, você pode dizer que isso é “só um quadrinho”, mas há mulheres reais sofrendo em relacionamentos desse tipo, não dá para naturalizar essas situações em qualquer forma de entretenimento. É importante que os novos quadrinhos tenham finalmente mostrado o quão abusiva era essa situação e gostaria muito que o filme não romantizasse isso. Abuso não é “fofo”, não é certo e não dá para passarmos a mensagem de que isso é um relacionamento aceitável.
Adorei seu artigo!
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O Coringa é um personagem feito para ser desse jeito mesmo, psicopata, e não se deve mudar isso. O que deve ser mudado é a forma como vêem esse relacionamento como uma história de amor, e não como realmente é, uma relação abusiva. A ideia, como é dita no artigo, não é mudar os quadrinhos, e sim mudar essa forma de ver a relação Coringa-Arlequina.
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Adorei o texto!
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é tipo, no filme pelo que eu entendi, ele realmente a ama e se preocupa mto, tanto que foi resgata-lá 2 vezes, e na memoria dela ela revela, que ela se jogou no tonel de acido pelo que o coringa a disse, e ele depois ” se arrependeu” e pulou atras dela. nos quadrinhos até pode ser abusivo o relacionamento deles mas agr, no filme etc… que mostra de vdd a historia da Arlequina, é totalmente ao contrário… minha opnião
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Olá Vitória, tudo bem?
O filme não mostra “a história de verdade” da Arlequina porque não há uma “de verdade”, há várias versões. Se a gente quiser ir pela mais antiga, nem tinha ácido nenhum.
Eu não acharia nada ruim uma nova origem com ela escolhendo pular, o problema é que antes disso, nos flashbacks, mostra que antes de se tornar Arlequina, a dr. Harley foi eletrocutada na cabeça pelo Coringa, que faz ligação às escolhas que ela tomou depois. Ela “escolhe” pular, mas ela teria escolhido se não tivesse tomado o choque? O quanto de consentimento ela realmente poderia dar nessa situação?
O filme tenta pintar um Coringa que se importa com a Arlequina e a agride ao mesmo tempo e isso é uma coisa bem perigosa pra se botar no filme assim. Não teria problema a própria Arlequina não perceber de primeira, mas o filme poderia ao menos colocar um personagem questionando isso.
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Acho que o filme quis mostrar o Coringa na visão da Arlequina…na cabeça dela cada atitude dele é por amor a ela…só que quem é um pouco mais informado sabe que o Coringa só quer manipular ela para conseguir o que quer. Como no texto acima diz..quando ele percebe que está nutrindo sentimentos por ela..oque ele faz? tenta matar… no filme mostra ele dando choque,induzindo ela a pular…ou seja sendo o Coringa msm!tem um certo romantismo no filme? sim,até pq a trilha sonora ajuda e muito! mas tmb tem ele sendo manipulador.
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Adorei o texto, queria entender o relacionamento dos dois pois um fã da DC falou que era bem parecido com o do Zebediah Killgrave com a Jessica Jones da Marvel, mas pelo que vc escreveu é bem pior .. Quando criança via muito o desenho do batman e gostava muito do coringa e da Arlequina mas eu não prestava atenção no relacionamento dos dois.. O pior é saber que existem relacionamentos assim na vida real, muito triste toda essa situação..
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Achei maravilhoso o texto e é exatamente o que eu penso. Não podemos fechar os olhos e achar lindo algo que na verdade é abusivo. Acho que a Arlequina pode até ter várias versões de sua história, mas o Coringa sempre foi psicopata e não tem nada de romântico nisso.
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Pingback: 104 – Esquadrão Suicida é tão ruim que até dói – Mattiazzices
Adorei o texto!! Isso é oq eu sempre tento explicar pros meus amgs sobre esse relacionamento deles pq muitos falam msm q apesar de tudo eles se amam mas isso não é vdd.
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Realmente é um relacionamento abusivo, mas eles são vilões, não tem como serem um casal fofo, ou certinho, ambos são loucos, então um casal normal esta fora de questão!
Mas sim é apenas um quadrinho, e não deve ser levado a serio, as pessoas tem que saber diferenciar a realidade de ficção, tem mulheres que sofrem isso e devem ser ajudadas. Mas não é um hq q ira fazer uma pessoa machista!
E na verdade este texto falou uma forma ofensiva e generalizada, como se só o fato de gostar do quadrinho ou do casal me fizesse machista, e a favor de que mulheres REAIS passassem pelo mesmo que uma PERSONAGEM de hq passa!
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Fabiola, muito do que você falou aqui eu já tratei no texto.
Ser um casal de vilões não necessariamente significa que precise ser um relacionamento abusivo, assim como nem todo o relacionamento entre heróis é saudável (como dá pra ver no recente Passageiros). O fato deles serem vilões não impediu que muitas pessoas romantizassem a relação deles, colocasse como “ideal”, principalmente com Esquadrão Suicida sendo lançado, no começo do texto eu falo que é exatamente por isso que eu escrevi esse texto.
Eu não acusei ninguém de ser machista por gostar da HQ em que os dois aparecem. Eu fiz uma análise. As pessoas tem que saber a diferença de realidade e ficção? Com certeza, mas o que é mostrado na mídia de entretenimento pode sim afetar algumas pessoas, de forma positiva ou negativa.
Novamente: Não falei que gostar de qualquer coisa te faça machista, até porque eu gosto das HQ da Arlequina e do Coringa, gosto dos dois personagens, inclusive como vilões (ou anti heroína no caso da versão mais atual da Arlequina). Só que gostar de qualquer forma de entretenimento não me impede de achar ruim a romantização da relação dos dois, assim como fazer análises de obras ficcionais não me impede de olhar e tentar fazer algo por mulheres reais.
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Para mim ambos são loucos kkk vamos lá ela não era normal desde que começou a tratar dele como medica, porem entendo que o filme quis sim romantizar algo que foi construído a base de violência, doença, abuso, se nos aprofundar na historia dos HQs percebe isso claramente, eu gostei dessa romantização mas não sou idiota, foi para vender ainda mais que estão pretendendo lançar um filme com a historia dela… Se fosse retratar a real, seria bem diferente pois nos Hqs retrataria um Joker que a usa, que nao mede esforços para conseguir o que deseja, doa a quem doer, a faz dependente. Mas mostrando esse lado romantizado aparenta sim ser um louco, louco de amor por ela apos a aceitação de sua entrega total. Enfim um mais louco que o outro, porem eu gostei dessa versão pois nunca tinha visto eles desse modo..
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Acho que é sim um relacionamento muito abusivo, algo que o filme não mostrou muito, tentou deixar mais romântico e menos pesado. Mas também acho que o coringa realmente ama a arlequina seja no filme ou nos quadrinhos. Ele não demonstra e finge não sentir, mesmo que não seja amor, ele tem um sentimento por ela relacionado há isso. Certamente não é um relacionamento normal, e é muito conturbado. O próprio Coringa já faz coisas horríveis a ela.. há momentos bizarros entre eles. Mas há também um episódio nos quadrinhos que diz “Eu achava que a arlequina amava o coringa e não viveria sem ele, mas é o contrário, o coringa não pode viver sem a arlequina”. Eu concordo muito com isso, ele é sim possessivo e ela é dele. Quem machuca quem ama? Ele é o coringa, não é uma pessoa normal que ama de forma normal.
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Adorei seu artigo. Eu entendo que eles tem um relacionamento doente mas acho que Arlequina e o Coringa fazem um excelente casal no mundo dos quadrinhos. Suas personalidades chamaram muita atenção quando o filme Esquadrão Suicida foi lançado. O filme é um dos meus preferidos. É bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em quadrinhos. Adorei o filme, porque tem toda a essência da história original mais uma produção audiovisual muito boa.
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