Durante os 16 dias de ativismo na luta contra a violência à mulher, os blogs envoltos pelo #feminismonerd se propuseram a discutir as problemáticas em torno da representação de mulheres como uma matriz que reitera os discursos de violência e ódio, quanto veículos que visibilizam a discussão. Sabemos que, apenas a exposição e discussões possibilitam o combate direto, a resolução e identificação do problema. Como reitera a escritora e teórica feminista Audre Lorde : “é preciso transformar o silêncio em linguagem e ação”.
Acredito que todo mundo que crie conteúdo nerd na internet, ou está próximo desse meio de alguma forma, sabe que assédio e ameaças virtuais não são incomuns, ainda mais se você for mulher. Um relatório da ONU de 2015 aponta que 73% das mulheres já sofreram algum tipo de violência virtual.
Esse tipo de violência é qualquer agressão psicológica que é feita através da internet (difamação, humilhação, ameaça, etc). Atualmente, estar conectado online é uma grande parte da vida de muitas pessoas, portanto é natural e esperado que qualquer violência que aconteça no âmbito virtual afete a pessoa que está do outro lado da tela.
Mulheres acabam se tornando um grande alvo desse tipo de violência, que se liga ao machismo. São de xingamentos misóginos até ameaças ou exposições graves. Infelizmente não são incomuns os casos de mulheres tendo a vida íntima exposta na internet. Essa prática se chama revenge porn (pornografia de vingança) e pode acabar com a vida de uma pessoa. Há vários casos de mulheres que se suicidaram por serem expostas dessa forma, além de todo tipo de dano psicológico que isso pode causar.
O meio nerd não escapa desse tipo de violência, mulheres nerds acabam sendo vítimas de um ambiente que ainda é muito machista e que não recebe bem minorias. Como foi visto por muito tempo como um meio “de meninos”, mulheres não são sempre aceitas. Temos melhorado com os últimos tempos, mas ainda é um espaço que pode ser tóxico.
Recentemente acompanhamos o caso de Chelsea Cain, responsável por escrever um dos títulos da Marvel, que foi cancelado. No twitter, ela pedia para que as pessoas continuassem cobrando das empresas quadrinhos que buscassem dar espaço para mulheres. O assédio que ela enfrentou foi tão grande que ela decidiu sair do twitter. De novo: Ela foi assediada por pedir mais mulheres nos quadrinhos, o que não é nada demais.
Também teve o caso da atriz Leslie Jones, do Caça-Fantasmas, que abandonou o twitter depois de receber inúmeros tweets machistas e racistas. Depois que o filme foi lançado ela teve que encarar esse tipo de assédio, ainda mais quando o jornalista Milo Yiannopoulos se juntou aos assediadores, que incentivou mais pessoas a fazerem o mesmo contra a atriz. Leslie Jones nem tinha escrito nada de diferente nas suas redes sociais (não que justificasse), virou alvo por ser uma mulher negra, lembrando que as outras atrizes de Caça-Fantasmas, todas brancas, não passaram pelo mesmo.
Ainda é difícil fazer com que os assediadores na internet sejam punidos por isso. Tanto nesses casos como nos de exposição íntimas, enquanto as vítimas sofrem os assediadores seguem suas vidas. No caso do twitter, a empresa até chegou a banir algumas pessoas, mas isso é pouco perto do dano que acontece com a vítima.
A comunidade de games é conhecida por ser uma das piores nesse aspecto. Zoe Quinn foi assediada e até recebeu ameaças de mortes por parte do GamerGate por causa de um boato. Anita Sarkeesian também enfrentou violência virtual depois de criar seu projeto Tropes vs Women, vídeos falam sobre estereótipos de mulheres em videogames. Além de ameaças de morte e estupro, em 2014 houve uma ameaça de bomba em San Francisco em um evento em que ela falaria publicamente.
Além desses casos mais conhecidos, uma pesquisa na Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, mostra que as mulheres que jogam online precisam enfrentar assédio durante as partidas. Elas também revelaram que ficam pensando na violência sofrida mesmo depois que não estão mais jogando. Isso explica porque algumas mulheres evitam revelar seu gênero durante as partidas de jogos online. Também há aquelas que, como eu, evitam jogos online em geral para não ter que passar por esse tipo de situação.
Para os machistas do meio nerd, o único espaço para a mulher é como “musa” ou a “gostosa” que sabe um pouco de coisas nerds, porque também não pode saber mais do que ele. Esses homens não se incomodam em verem mulheres como objetos em eventos de cultura pop, ao mesmo tempo em que assediam jogadoras e desrespeitam a opinião de mulheres que trabalham no meio. Infelizmente muito desse ódio vira violência pela internet. Como muitos assediam e saem impunes, há vários homens que ainda fazem isso. Além de amplificar o discurso de ódio, a internet dá uma sensação de anonimato que é muito danosa para quem sofre com essas situações.
Quando incomodamos e saímos do lugar que nos é imposto, essa violência virtual é usada contra nós. Quando criticamos algo na cultura pop, somos agredidas porque estamos “censurando”. Nossa opinião é sempre menor, não é incomum eu ser questionada na internet se “sei mesmo do que estou falando”, isso quando não ouço xingamentos ou leio que devia sofrer algum tipo de agressão física por causa dos meus textos. Podem parecer só palavras na internet, mas não são só palavras ou só imagens. A violência virtual é diferente da física, mas ela também causa danos e afeta a vida da pessoa atingida. Esse tipo de assédio precisa ser discutido para que possamos cada vez mais achar soluções e para que os agressores sejam punidos.
O que vemos hoje são muitas mulheres criando grupos seguros, porque infelizmente algumas de nós só conseguem falar sobre cultura pop sem sofrer machismo quando estão em espaços assim. Esses grupos e conexões são importantes, mas o certo é que tivéssemos liberdade para criar e aproveitar nossas nerdices sem medo de sofrer algum tipo de agressão.
Precisamos continuar falando e agindo contra a violência virtual, tanto no meio nerd como em todos os outros, pois só assim acharemos soluções melhores que as atuais.
Referências e links úteis:
F.A.Q jurídico: violência virtual
#MandaPrints: Por que a internet odeia mulheres?
73% das mulheres que estão conectadas já sofreram violência online
Feminicídio 2.0 – Mídias Digitais, tecnologia e violência contra a mulher
Leslie Jones singled out for racist abuse on twitter over Ghostbusters
Sexual harassment drives women away from online games
Blogs que participam desta ação coletiva: