Adaptações e os acertos de A Chegada

"Story of Your Life" Day 37 Photo: Jan Thijs 2015

É possível fazer um texto apenas com os acertos de A Chegada no geral. O filme é uma adaptação do conto de Ted Chiang “História da sua Vida”, lançado em 2016 e também indicado para algumas premiações, incluindo o Oscar de melhor filme. Mesmo o Oscar tendo um histórico de não necessariamente premiar ou indicar os melhores filmes sempre, A Chegada é realmente um longa muito bom. Para mim, junto com Estrelas Além do Tempo, é o melhor filme do ano.

A Chegada é dirigido por Denis Villeneuve. A protagonista é Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é chamada pelo governo para ajudar com os primeiros contatos com a raça dos heptapodes, que são alienígenas que pousaram em vários lugares da terra. Os humanos não sabem o que eles querem e descobrir isso é o grande desafio da história.

Há várias análises que podem ser feitas a partir desse filme. Em tempos de intolerância e conflitos, um filme sobre alienígenas que mostra os humanos tentando conversar antes de atirar é muito oportuno. A Chegada vai falar sobre dificuldades de comunicação, sobre como é  mais fácil assumir o pior do “outro” e também sobre outros aspectos mais filosóficos do ser humano. Mas o foco neste texto é falar como um conto de algumas páginas conseguiu virar um filme tão bom, a partir daí podemos pensar um pouco sobre os aspectos que fazem uma adaptação agradar o público.

O texto contém spoilers do filme A Chegada e do conto História da sua Vida.

O que é necessário para uma adaptação ser boa? Não dá para ser muito exata na resposta, afinal de contas cada pessoa poderá interpretar o que é uma “boa adaptação” de formas diferentes. Baseado na minha experiências com filmes e literatura, vou apontar as coisas que para mim fazem uma adaptação ser boa e não só um rascunho do original.

  • Precisa ser, em primeiro lugar, um bom filme

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Parece óbvio, mas em certas discussões percebo que algumas pessoas esquecem desse “detalhe”. Quando alguma obra é adaptada para o cinema, e isso vale também para as séries, as pessoas passam muito tempo pensando no quão fiel a obra é ao original, focam nos mínimos detalhes que foram deixados de lado. O problema é que o filme não será visto apenas pelos fãs do livro, portanto ele também precisa funcionar para quem está chegando agora e só vai ver o filme.

Não tinha lido História da sua Vida antes de ver A Chegada, mas isso não interferiu em nada porque o filme é bom. Quando digo isso vou além do gosto pessoal de cada um, A Chegada não possui grandes falhas na sua estrutura, os personagens são bem construídos e o roteiro não possui buracos ou inconsistências que dificultem o entendimento de quem está assistindo.

Quando uma obra é adaptada, uma das primeiras preocupações deve ser fazer a história funcionar em formato de filme, não o quão fiel a nova versão será ao livro todo. Mídias diferentes exigem técnicas diferentes. A estrutura do livro e do filme (ou série) não possuem os mesmos aspectos, por isso que a história é adaptada. Em momento nenhum é preciso recorrer ao original para entender A Chegada. Isso nos leva ao segundo ponto.

  • Mudanças são necessárias

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Não adianta, o fã do livro pode espernear o quanto quiser, para uma obra da literatura ir para o meio audiovisual, mudanças precisam ser feitas. Como já mencionei antes, estamos falando de mídias com estruturas diferentes, é impossível fazer uma cópia do que está no livro. Até porque, se fosse para ver algo completamente igual, não precisava nem sair de casa, é só pegar o livro na estante.

História da sua Vida é um conto em primeira pessoa, Louise narra sua história como se realmente estivesse contando para o leitor o que aconteceu. Não dá para colocar um voice over o tempo todo no filme, o desenvolvimento mostrado no pensamento dela durante o livro precisa virar ações na tela, caso contrário seu público ficará muito entediado.

Uma mudança interessante foi o fato de A Chegada ter ampliado a história original. No conto, só sabemos dos alienígenas nos Estados Unidos. Todo o conflito mundial, os problemas com a China e o medo geral causado pela mídia com a chegada dos alienígenas não aparece no original. O conto é bem focado em Louise e o filme acha uma forma de dar dimensões maiores para essa história, o suficiente para fazer sentido. Quando os alienígenas vão embora no livro, o conflito passa a ser muito interno, sobre as decisões que Louise fez ao saber que via o futuro e que sua filha ia morrer cedo. No filme, junto com a revelação sobre como os heptapodes entendem o tempo, temos um clímax construído ao redor da ideia de que a China pode causar uma guerra. Isso não combinaria com o tom do conto, mas encaixa bem com as proporções que o filme deu, sem contar que é um conflito bem mais interessante de ser visto numa tela de cinema, ainda mais em filmes com alienígenas, que normalmente envolvem ação de alguma forma.

  • Manter a essência do original

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Já expliquei que mudanças são necessárias, então o que mantemos? A adaptação é sempre uma releitura de uma pessoa ou de um grupo, portanto nunca será igual ao que você imaginou quando leu o original. Porém, toda história tem sua essências, seus aspectos mais marcantes e essas são as coisas que devem ser mantidas de certa forma quando uma adaptação é feita.

Em História da sua Vida, além das dificuldades da comunicação, os aspectos mais marcantes são a chegada dos alienígenas, a visão de tempo que Louise adquire e a morte de sua filha. Apesar de falar sobre coisas que chegam do espaço, a história é bem mais fechada e focada em aspectos do ser humano, inclusive mais do que outras histórias de alienígenas e espaço costumam ser. Mesmo expandindo a narrativa, A Chegada continua mantendo o foco em Louise, mostra a dificuldade nas comunicações com os alienígenas, explica a questão da linha do tempo e continua com o elemento da filha de Louise, mesmo que as mortes sejam diferentes. A essência da história é a mesma, quem já leu vai identificar os elementos do original, mesmo não sendo igual em todos os detalhes, enquanto quem não viu vai aproveitar um ótimo filme do mesmo jeito.

As ideias principais da obra de Ted Chiang foram respeitadas, na minha opinião algumas coisas ficaram até melhores na linguagem audiovisual. Há elementos difíceis de absorver na versão escrita, mas A Chegada sabe pegar o que funciona e modificar o que não vai servir para o cinema.

Como fã de várias coisas que já foram adaptadas, entendo a vontade que temos de ver tudo que imaginamos na tela, mas as histórias precisam ser, como o nome indica, adaptadas para que funcionem. O filme jamais poderá mostrar o que cada pessoa imaginou, portanto é importante desapegar e aceitar que a adaptação precisa ser diferente. Para quem cria esse tipo de conteúdo, é importante buscar manter os aspectos principais do original, para que, mesmo com as mudanças, o leitor possa identificar aspecto conhecidos e o fã novo possa conhecer a essência daquela história.

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