Como prometido, vamos continuar falando de Deuses Americanos toda a semana. Dessa vez a crítica será sobre o segundo episódio da série: The Secret of the Spoons.
O episódio segue o formato do primeiro, parando duas vezes a história de Shadow para falar de outros “contos”. Começando logo depois do final do primeiro episódio, The Secreto of the Spoons começa a construir uma narrativa que faz mais sentido. Você ainda vai ficar um pouco perdido, mas terá a impressão que é essa a ideia e também que a série está caminhando para as respostas.
O visual de Deuses Americanos continua ótimo, porém menos evidente do que antes. As atuações, para mim, ainda são o ponto alto da série, mas The Secret of the Spoons também teve espaço para momentos mais tensos e aprofundar um pouco mais os conflitos que estão acontecendo ao redor de Shadow.
O resto do texto terá spoilers do episódio.
Assim como em The Bone Orchard, o episódio começa com um conto, mostrando como outro deus chegou nos Estados Unidos. A história de Anansi é mais interessante que a dos vikings do primeiro episódio. Não só Anansi é um personagem que chama a atenção quando aparece, mas a atuação de Orlando Jones fez toda a diferença. A caracterização do deus durante a cena também é bem chamativa.
Essa primeira cena é muito forte. Quando os homens capturados rezam para Anansi, eles esperam algum milagre ou proteção, mas o deus vem com uma dura verdade e incentivando que eles matem os holandeses que os capturaram. Anansi fala várias verdades: por mais que a escravidão vá acabar algum dia, a população negra continuará sofrendo as consequências disso, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
E isso acaba se conectado diretamente ao que aconteceu no final do último episódio. Eu tinha comentado antes que achei a cena um pouco exagerada e continuo achando, mas ela ganha mais significado com o discurso de Anansi. Eu li textos de alguns críticos que viram os quatro primeiros episódios seguidos, eles diziam que a última cena de The Bone Orchard fazia mais sentido quando vista logo antes do começo de The Secret of the Spoons e isso é verdade. Shadow é um homem negro nos Estados Unidos em 2017, sofrendo as consequências de uma sociedade racista.
Ainda não sabemos direito como Shadow escapou (e é bom que a série explique logo), mas depois do acontecido ele vai atrás de Wednesday e reclama sobre o que aconteceu, com razão. Aqui Shadow deixa bem evidente que não está entendendo nada, quase como se a série dissesse “nós sabemos que você, audiência, está perdida, mas calma”. Shadow vai dormir, sonha com Laura e começa a chorar. A atuação de Ian McShane ainda é a minha preferida da série, mas Ricky Whittle está aos poucos chegando muito perto dessa posição. Eu já falei na outra crítica que esse Shadow é muito mais crível que o do livro, mas nesse momento eu consegui me conectar mais com o personagem. Ele é um homem que está ferrado, tentando fingir que está bem quando não está, então é de se esperar que ele passe por esses momentos mais sentimentais quando está sozinho.
No dia seguinte, Shadow vai até a sua antiga casa, cheia de memórias de Laura. Aqui eu volto a me preocupar com a representação feminina da série. Tudo relacionado com Laura aparece para falar dos sentimentos de Shadow. Eu ainda tenho esperança que isso mude, ainda mais com alguns pontos desse mesmo episódio.
Shadow e Wednesday começam sua aventura na estrada. Há vários detalhes simbólicos a partir desse momento no episódio, que indicam coisas que podem ser reveladas no futuro. Outro ponto legal aqui é a relação entre Shadow e Wednesday, as interações deles são sempre divertidas e vão revelando algumas coisas.
Eles param numa loja e Shadow encontra Mídia (Gillian Anderson), um dos deuses novos. Essa é uma das melhores cenas do episódio, primeiro porque as atuações são ótimas e a direção ajudou bastante. Do jeito que vemos Shadow, parece que ele está cercado de todos os lados pelas televisões, o que é uma verdade não só para ele nesse momento, que está cercado por todos esses deuses, mas para nós, audiência, já que a mídia está ao nosso redor constantemente. Aqui os leitores vão reconhecer uma das frases que Mídia fala no livro que para mim é dispensável (quando ela fala dos peitos de Lucy).
Mídia é um pouco mais paciente que Technical Boy. Quando Shadow se recusou a falar no fim do primeiro episódio, o deus da tecnologia ficou bravo. Ele exige respostas rápidas, não tem paciência e manda seus “minions” atacarem na mesma hora. Mídia é tenta convencer Shadow, conversa e busca manipulá-lo para que ele mude de lado. Dá para traçar paralelos sobre essas duas formas de comunicação. Na internet, todo mundo quer as coisas na hora, não pode demorar e se alguma coisa incomodar, independente do que seja, a chance das coisas ficarem agressivas são altas. Já a televisão, que é o meio de comunicação que está representando a Mídia, funciona diferente. Ela tem um poder de manipulação muito alto e leva algum tempo, mas também te cerca e quando as pessoas menos esperam, estão repetindo o que viram na televisão.
Vimos também outra cena de Bilquis, que está devorando mais algumas pessoas, mas não parece tão feliz assim. Dá para ver que a deusa quer mais, quase como se sentisse saudades da época em que usava as joias que viu museu. Eu ainda quero ver mais de Bilquis, ela interagindo com outros personagens e mais aprofundamento.
O final do episódio acontece na casa de Czernobog (Peter Stormare) e das irmãs Zorya (Cloris Leachman). Ele é o deus das trevas e do caos, enquanto elas são as deusas guardiãs do juízo final, então faz muito sentido que eles morem todos na mesma casa. Até agora, as únicas divindades que não tiveram introduções marcantes foram as Zorya, porque Czernobog também veio para roubar a cena. Ele é incômodo, tanto para Shadow quanto para a audiência, afinal ele é o deus do caos, nada fica “de boa” perto desse cara.
Mesmo que Shadow não saiba o porquê de tudo que Wednesday faz, ele sabe que Czernobog é importante e que eles precisam ir para algum lugar. Também sabe que Wednesday fez alguns inimigos durante a vida. E mesmo que o próprio Shadow ainda não saiba, a audiência já viu que Wednesday pretende ir introduzindo Shadow a esse mundo de loucuras aos poucos, ao contrário do jeito que Technical Boy e Mídia agem.
Eu acho que o episódio perde um pouco do fôlego nessa parte, da metade até a cena do “confronto” no final, mas achei sim que esse episódio seguiu uma linha de raciocínio que fazia mais sentido que The Bone Orchard. É como se no começo a série tivesse jogado tudo na nossa cara e depois do choque falasse “tudo bem, vamos começar a explicar”, por mais que esse “começar” não seja tão rápido quanto alguns gostariam. Há uma certa enrolação na fala de Czernobog, acredito que seus monólogos poderiam ter sido mais curtos, mas ele ainda é uma figura que agita o ambiente, mesmo durante um simples jogo de damas.
Essa cena do jogo de damas sempre me deixou um pouco confusa no livro. Nunca comprei muito o fato de Shadow aceitar a partida com um cara que obviamente sabe jogar e quer estourar a sua cabeça. Na série eu acredito um pouco mais, mas não completamente. Shadow questiona a sanidade depois que encontra Mídia e no final desse episódio aceita que tem algo muito bizarro acontecendo, então vai jogar com um clima de “que se dane”, mas se ele realmente está aceitando, me parece que deveria recusar a aposta e não mergulhar nela. Caso Shadow achasse que todos eles são loucos e não acreditasse nas “magias” que está vendo, faria mais sentido.
De qualquer forma, Shadow aceita e esse é o jogo de damas mais tenso que você verá em toda a sua vida. Eu sabia que Shadow ia perder e já fiquei nervosa, imagino quem não tinha a menor ideia, até porque o próprio Wednesday fica receoso e ele é um cara que sempre parece estar bem seguro de si. Como eu disse na crítica do primeiro episódio, a vida de Shadow não será fácil e ele vai precisar de uma segunda salvação para escapar das mãos de Czernobog.
A série começa a criar uma relação maior entre Shadow e a audiência, dessa forma começando a explicar certas coisas desse universo e do que está acontecendo. As atuações continuam incríveis e os personagens cada vez mais interessantes. Ainda não estou feliz com o que vejo das mulheres, por mais que as Zorya sejam bem diferentes das mulheres que vimos até agora, elas são ofuscadas por Czernobog nesse episódio. Ainda tenho fé em você, Deuses Americanos (o trocadilho não foi intencional, mas serviu, né?), aprofunde as mulheres tanto quanto parece que estão fazendo com os homens. Também espero que no próximo episódio mais coisas sejam respondidas, a série está acertando o ritmo, mas ainda pode melhorar.