Quando mulheres não podem ser humanas

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O texto contém spoilers de Until Dawn.

Essa reflexão de hoje começou com esse texto que está nos meus favoritos e com alguma frequência abro para ler de novo. Alguns dias depois voltei a pensar no assunto quando assisti Garota Sombria Caminha pela Noite. Certos eventos pessoais e coisas que observei mais a fundo na ficção me fizeram cada vez mais pensar nesse tema, até que hoje resolvi fazer um texto, meio desabafo, sobre isso.

Recentemente, como vocês sabem, zerei Until Dawn, um jogo de terror. Apesar de ter gostado bastante do jogo, um ponto importante da narrativa me incomodou bastante e tem tudo a ver com o assunto em questão.

Em Until Dawn, Hannah é apaixonada por Mike. Ela fazia testes em revistas adolescentes para ver se conseguiria ficar com ele, escreveu sobre ele em seu diário e até fez uma tatuagem pra provar o quão “cool” ela era. Os amigos deles descobriram dessa queda que Hannah tinha por Mike e, como ele tinha uma namorada, Emily, eles resolveram fazer uma brincadeira de mau gosto: Fazer Mike fingir que eles iam ficar juntos para gravarem Hannah tirando a roupa. Independente deles terem intenção de divulgar ou não, isso é exposição.

Resultado: Hannah foge, sua irmã gêmea, Beth, vai atrás, as duas caem de um penhasco e são dadas como desaparecidas. Durante o jogo descobrimos que Beth morreu, mas Hannah sobreviveu e como não conseguiu sair das minas em que caiu, precisou comer o corpo morto da irmã pra sobreviver, o que a transformou em um Wendigo. Eu só conseguia pensar em como não era justa essa história, Hannah era uma moça ingênua, que confiava e amava Mike e por querer ter algo com ele, acabou caindo de um penhasco e se tornando em um monstro.

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Arlequina não quer mais saber do Coringa

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Aviso: Essa postagem contém spoilers das HQ da Arlequina, incluindo o volume 25.

Já comentei em alguns textos que não sou a maior leitora de quadrinhos. Tenho aumentado meu repertório de uns tempos pra cá, mas ainda é pequeno e são principalmente as publicações da Image Comics. Porém, como tem se falado muito dos personagens do Esquadrão Suicida, principalmente da Arlequina, resolvi ler os quadrinhos novos dela por curiosidade.

Essa semana saiu o volume 25 da HQ da Arlequina e em pouco tempo várias imagens surgiram na internet. Na hora que eu vi do que elas se tratavam eu senti algo que mal consigo descrever. Era um misto de alívio, satisfação e felicidade, o que me pareceu estranho depois que parei pra pensar porque eu nunca me considerei uma fã da Arlequina, não por nada, mas porque comecei a conhecer mais da personagem agora.

Pra quem não acompanha a HQ, mas quer ler a postagem mesmo assim, o que acontece é: Arlequina decide mudar de vida e vai para o Brooklyn, onde mora em um novo apartamento, com novos amigos, uma gangue e visitas periódicas da Hera Venenosa. Apesar de possuir métodos nada éticos, dá pra perceber que ela se preocupa com os outros e quer, do seu jeito, fazer o bem, continuando sempre bem-humorada.

Arlequina começa a sair com um cara chamado Mason, que algum tempo depois é preso e mandado para o Asilo Arkham. Sabemos que Arlequina já trabalhou lá e invadiu o lugar, então ela decide voltar para salvar Mason. Acontece que no meio disso, ela encontra o Coringa, que também está preso. Depois de uma briga entre os dois, Arlequina finalmente dá um ponto final no relacionamento abusivo que tinha com ele.

Pois é, isso mesmo que você está lendo, por mais que a HQ tivesse andando para esse lado, eu não achei realmente que algum dia veria, de forma tão gráfica e óbvia, a Arlequina terminando com o Coringa, mas foi isso que aconteceu, e é óbvio que o assunto principal do texto é esse, mas eu queria também falar de outras coisas que acontecem no quadrinho que levaram a isso.

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Remake de FFVII sem machismo. Será que rola?

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Eu sei que eu provavelmente estou entrando naquele território “perigoso” do mundo nerd. A Rebeca Puig (Collant sem Decote) e eu sempre falamos sobre como os fãs machistas de jogos são os piores, então pode ser cutucar a onça com vara curta falar, não de qualquer jogo, mas de um clássico dos videogames. Mas eu também sou fã de jogos e é meu espaço poder falar sobre eles, seja para elogiar ou criticar.

Ano passado foi anunciado o remake de Final Fantasy VII e eu nem conseguia explicar minha empolgação. Não tive PlayStation na época em que o jogo bombou, então tudo que joguei e vi era na casa de amigos enquanto eles jogavam. Isso junto com um inglês bem limitado, fez com que anos depois eu revisitasse os títulos da franquia que não pude aproveitar tanto, o VII incluído.

Final Fantasy VII é um clássico, um marco nos videogames, não só em jogabilidade, mas em história. Na época os críticos diziam que o jogo estava muito a frente de seu tempo. Até hoje Cloud é um dos personagens mais conhecidos de Final Fantasy e dos jogos em geral (e esse texto explica o quão importante ele foi e ainda é).

Dito isso, considerando ser um JRPG de 1997, não é de se surpreender que hoje vejamos problemas que não víamos antes. Quando começamos a problematizar as coisas, um passo importante é olharmos tudo aquilo que gostamos e entender pontos que não nos incomodávamos antes ou não percebíamos.

Quando comecei a listar, vi que FFVII tinha vários problemas. Acho que ninguém precisa excluir um jogo de 97 de suas boas memórias (a menos que queira) por causa disso, mas considerando que ele terá um remake nos tempos de hoje, época em que os debates sobre representação nos jogos estão tão em alta, é importante olharmos esses fatores. Eu sei que todo mundo quer ver um FFVII igual ao antigo com a mecânica melhorada, mas repetir momentos problemáticos do jogo, novamente, numa época que se fala tanto disso, é um tanto quanto irresponsável.

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Problematizando a ficção

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Esses últimos dias foram bem complicados. Aconteceram várias polêmicas dentro do mundo nerd, desde a notícia de que a Rey foi tirada dos brinquedos intencionalmente até o salário injusto da Gillian Anderson.

Eu tive mais visualizações do que o normal com o meu último texto sobre as roupas das personagens ficcionais e recebi todo o tipo de feedback. A maioria foi positivo, mas como todo o assunto que pisa em calos, tive alguns negativos. Entre xingamentos e “argumentações” que tinham mais raiva do que lógica, vi um questionamento que achei interessante trazer para um novo texto.

Algumas pessoas questionaram qual era a importância de problematizar algo da ficção. Alguns desses questionamentos vieram como textos que buscavam desmerecer o feminismo. Isso não é uma resposta, eu não tenho intenção de discutir com quem possui a mente fechada e busca qualquer desculpa para desmerecer um movimento só porque se sente confortável na posição privilegiada da sociedade. Na verdade, esse texto é para as pessoas que estão dispostas a conversar sobre problematização, sobre coisas nerds em geral e buscar entender melhor o assunto.

Há vários sites e blogs de minorias questionando e criticando aspectos da cultura pop. Qual a importância disso? Será que é mesmo, como fui acusada, “falta do que fazer” ou realmente existe algo maior aí?

Para começar, acho importante entendermos a importância da ficção. Ela é uma das formas de se contar histórias, é algo imaginado, que não existe, mas sempre passa uma mensagem e pode refletir certas coisas da vida real. Essas histórias são veiculadas através dos meios de comunicação: livros, filmes, séries e até jogos.

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Personagens ficcionais não escolhem a própria roupa!

harley

Parece uma afirmação óbvia, não? Acontece que muita gente anda esquecendo disso.

Terça-feira, dia 19/01, saiu o novo trailer do filme Esquadrão Suicida. Confesso que não estou muito empolgada para ver o filme, mas esse trailer rendeu todo o tipo de comentário nas redes sociais.

Bem no final tem uma cena em que a Arlequina quebra o vidro de uma loja e se curva para pegar uma bolsa que ela quer roubar, não pude deixar de bufar com aquele enquadramento conveniente na bunda dela. Já estava imaginando o que aquele frame ia virar no dia seguinte e, como sempre, “desapontada, mas não surpresa”.

O debate sobre a roupa da Arlequina (e agora da Magia também) voltou a ganhar força. A Rebeca fez uma postagem maravilhosa na página do Collant no facebook sobre o assunto, então não vou falar especificamente disso. Deixa eu listar aqui alguns argumentos que chamaram minha atenção:

“A Arlequina é dona da própria sexualidade!”

“Por que a Arlequina não pode usar short? Ela gosta e se sente confortável assim!”

“Acho que se a Arlequina quer usar short e salto ela tem que usar mesmo!”

Todos esses argumentos vieram de homens cis. Eles parecem sensatos, não? Uma mulher pode sim usar a roupa que quiser, ser dona da própria sexualidade e, por que não, usar um short e um salto quando outras pessoas prefeririam calças? Aparentemente não tem nada de errado aqui.

Exceto que a Arlequina não é uma pessoa. Ela é uma personagem de ficção. Ela não existe.

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Relato frustrado sobre ir numa loja de brinquedos

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Esse assunto é meio batido, mas eu, pessoalmente, nunca tinha falado sobre isso e, apesar de nunca duvidar de quem tinha abordado o tema, não tinha passado pela experiência eu mesma, então resolvi comentar aqui sobre o dia em que fui numa loja de brinquedos e fiquei frustrada com os brinquedos “para meninas”.

Não sou uma pessoa que costuma entrar em loja de brinquedos, entro poucas vezes no ano e já sei o que quero comprar, então acabo não reparando muito nas coisas, mas essa semana fui em uma com uma amiga. Ela precisava comprar um presente de aniversário para a enteada dela, que fez sete anos.

Minha amiga me disse que queria dar uma boneca da Tempestade ou da Jean Grey para a menina, já que ela tinha visto X-Men e gostava bastante. Falei que achava difícil a gente encontrar muitos produtos de X-Men, porque o último filme tinha saído fazia algum tempo e comentei que talvez fosse mais fácil encontrar uma Viúva Negra ou uma Rey, mas a menina não tinha visto nem Star Wars e nem os Vingadores, então decidimos procurar na loja e ver se achávamos alguma coisa.

E é aí que veio minha frustração.

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O termo “Mary Sue” e o caso da Rey

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O texto possui spoilers de Star Wars: O Despertar da Força.

Desde que o episódio VII de Star Wars foi anunciado, muito tem se falado da diversidade que está sendo inserida em uma das histórias mais amadas entre os nerds. Então não é nada surpreendente que a parte preconceituosa dos fãs, que nós já sabemos que não é pequena, ainda está reclamando de inúmeras coisas.

A repercussão sobre a diversidade do filme não foi pequena, tivemos inúmeros textos sobre a Rey e o Finn, sobre a representação de mulheres e negros, que inclusive cresceu para discussões sobre por que não encontramos tantos brinquedos da Rey ou sobre por que os bonecos do Finn estão sobrando nas lojas enquanto os outros sempre esgotam.

Uma coisa em especial veio chamando minha atenção. Desde que escrevi meu texto sobre a Rey e o quanto é importante ter uma mulher como protagonista de Star Wars, vi vários comentários, tanto no meu texto quanto em outros lugares, sobre Rey ser uma Mary Sue. Confesso que não sabia muito sobre o termo, então fui pesquisar. (Nota rápida: Ao contrário do que algumas pessoas me acusaram, sim, a tal da “justiceira” aqui viu sim todos os filmes de Star Wars, mais de uma vez cada por sinal. Eu conheço e pesquiso algo antes de falar sobre o assunto, diferente dos caras que nunca leram um parágrafo sobre feminismo e cobram minha carteirinha nerd. Quem que não faz a lição de casa?).

Vamos começar explicando o termo Mary Sue

O termo nasceu no mundo das fanfiction, que, para quem não sabe, é quando alguém escreve uma história de um universo ficcional que já existe. Caso você entre em um site de fanfics famoso, como o Archive of our own, vai encontrar histórias de inúmeros fandoms. Talvez o caso mais conhecido (infelizmente) é 50 Tons de Cinza, que começo como uma fanfic AU (alternative universe = universo alternativo) de Crepúsculo.

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Vamos falar sobre a Rey

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O texto não possui spoilers do filme, mas eu vou comentar alguns aspectos da personagem, então fica o aviso.

Ah, Rey! O que dizer dessa personagem que mal conheço e já amo pacas? Em ano de Furiosa e Jessica Jones, não achei que nos 45 do segundo tempo de 2015 nós teríamos ainda mais uma personagem feminina marcante na ficção. Felizmente eu estava errada.

Sim, é verdade que a atuação incrível de Daisy Ridley ajudou, que em poucos minutos já conseguiu cativar o público, mas aqui também temos uma personagem muito bem construída, sendo protagonista de um dos maiores clássicos do universo nerd. Isso é um passo muito importante quando falamos de representação.

Eu sempre tive muita dificuldade de mergulhar no fandom de Star Wars, por mais que gostasse de toda a mitologia do universo criado por George Lucas, sempre senti que faltava uma personagem que eu pudesse olhar e me ver de certa forma. Eu sei que temos Leia e Padmé, mas ambas são as únicas em um mundo completamente dominado por homens, além de que Leia passa por momentos “preciso ser salva” e Padmé tem um desenvolvimento bem falho durante a segunda trilogia. Gosto muito das duas, mas elas não me atraíam como outras personagens de outras histórias faziam. Esse é também o mesmo motivo pelo qual nunca consegui mergulhar de cabeça no mundo de Senhor do Anéis.

Eu lembro de uma vez me perguntar se não existiam mulheres Jedi e se havia alguma parte da mitologia de Star Wars que dizia que mulheres não poderiam ser Jedi. Quando assisti de novo todos os filmes, eu lembro de ver duas, naquele momento do episódio III em que todos os Jedi são executados. É isso, pouquíssimas Jedi que só aparecem para morrer.

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Nós sempre estivemos aqui | Sobre a tal da “invasão” das mulheres no mundo nerd

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Foto de Letícia Piroutek e Melissa Piroutek

Esse final de semana rolou a segunda edição da Comic Con Experience em São Paulo. Rolaram muitos relatos insatisfeitos nas redes sociais sobre a organização, não posso opinar sobre porque não estava lá, mas o que vou falar aqui é como a tal da “grande mídia” retratou o que aconteceu no evento.

Nesse texto do Collant a Rebeca Puig mostra alguns exemplos de matérias e o caso vergonhoso com a cosplayer assediada pelo Pânico na TV! Não preciso nem dizer que o programa é um desserviço e uma vergonha, mas ao menos eles foram banidos das próximas edições, o que já é alguma coisa (mas gente, sério, lamber uma cosplayer? O que essa galera tem na cabeça?).

Porém, outra coisa que me chamou a atenção foi uma chamada de uma matéria da SBT que dizia “Mulheres Invadem Mundo dos Nerds”. Eu só consegui balançar a cabeça e dizer: “Queridos, nós sempre estivemos aqui”.

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Jessica Jones e os relacionamentos abusivos

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Prometi que ia fazer uma análise de Jessica Jones, né? Então vamos lá!

Nesse texto aqui eu fiz uma crítica da série como um todo, mas agora vou me focar na mensagem principal de Jessica Jones, que foi o que fez com que eu me apaixonasse por essa história: A representação de um relacionamento abusivo.

É comum vermos relacionamentos abusivos sendo retratados na mídia de forma romantizada. Cinquenta Tons de Cinza e Crepúsculo são exemplos fáceis de lembrar, mas se paramos para refletir sobre o assunto, veremos que várias outras histórias cometem o mesmo erro de mostrar um casal problemático como se fosse um exemplo a ser seguido.

Canso de falar que a representação é algo muito importante, o que você vê na mídia vai sim influenciar o jeito que você age e percebe o mundo, por isso que os comunicadores possuem uma responsabilidade muito grande. Quando romantizamos um relacionamento abusivo, passamos a mensagem de que esse é um relacionamento comum, que é normal agressão física ou psicológica, porque se você amar seu parceiro de verdade, ele vai mudar, né? Não.

Um dia desses me contaram uma história, não vou citar nomes para preservar a pessoa agredida, mas em resumo: A moça namorava o rapaz, depois de várias agressões resolveu largar dele, o rapaz fez um grande escândalo, falando que não ia mais comer nem trabalhar, enquanto dizia que ela era ingrata, porque tudo que ele fez foi ficar ao lado dela quando ninguém mais ficaria. A moça contou pra mãe do rapaz o que aconteceu e recebeu como resposta “Calma querida, ele vai melhorar, aguenta um pouco, ele errou, mas te ama. Ele vai perder o emprego se vocês terminarem, pensa nisso!”. O pior é que eu não estou inventando.

A cultura dos relacionamentos abusivos é tão enraizadas que até uma mulher diz para a outra que ela “deve aguentar um pouco”. Quando a sociedade normaliza esse comportamento, e sim, a representação faz parte dessa normalização, esse ciclo vai se repetindo e inúmeras mulheres sofrem.

Por isso é extremamente importante, ainda mais no momento atual em que vivemos, uma série como Jessica Jones, que não romantiza o que é problemático, que coloca na cara de todos os telespectadores o quão abusivo Killgrave é com Jessica, o quanto ela sofre com ele e o arco de sua personagem é o empoderamento e a superação de seu problema.

A partir daqui o texto terá spoilers de toda a primeira temporada de Jessica Jones. Lembrando que eu não li os quadrinhos, estou falando puramente do que vi na Netflix.

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