Há alguns dias atrás eu postei sobre a representação LGBT+ de Dragon Age: Origins e, como prometido, vou continuar falando disso nos outros jogos da saga, então vamos falar do próximo na lista: Dragon Age 2.
O segundo jogo da franquia veio com muita polêmica. Lançado em 2011, Dragon Age 2 não era exatamente o que os fãs esperavam. A história épica de antes tinha diminuído e agora acompanhávamos Hawke, uma pessoa que fugiu do Blight de Ferelden, para começar a vida em outra cidade, Kirkwall. O jogo teve menos tempo de produção que os outros e de fato veio com alguns problemas, mas mesmo assim há muitas pessoas que gostaram da nova proposta e entraram de cabeça na nova história. Eu me incluo aí, apesar dos problemas, eu adoro Dragon Age 2.
Apesar de muitas críticas ao jogo serem válidas, outras eram feitas mais por questão de preconceito do que qualquer outra coisa. O jogo criou uma certa polêmica entre o fandom quando os jogadores viram que praticamente todos os romances eram bissexuais. A única exceção era Sebastian, um personagem que vinha na DLC, que era uma opção de romance hétero.
Na época, algumas pessoas ficaram revoltadas porque “Como assim quatro pessoas bissexuais no mesmo grupo? Isso não existe!”. Para essas pessoas, eu quase tinha vontade de chamar elas para sair com alguns grupos de amigos meus para ver que existe sim, mas só quase, porque eu não quero sair com uma pessoa que pensa isso. Brincadeiras a parte, muita preconceito rolou no fandom nessa época, até hoje a orientação de alguns deles é apagada por alguns fãs que acham muito surreal todos eles serem bissexuais.
Mas há algo sim que vale a pena pensar na construção desses personagens e em suas representações. Colocar todos os romances como bissexuais não foi pensado como “Vamos aumentar a representatividade de uma orientação sexual que é apagada constantemente no meio LGBT+”, mas sim como “Vamos deixar todo mundo pegar quem quiser e eles podem interpretar o que quiserem da sexualidade dos personagens”. Isso criou pontos positivos e negativos ao mesmo tempo.
Eu entendo – e entendo mesmo – quando as pessoas pedem para a Bioware deixar o protagonista ter romance com todo mundo. Acho que boa parte de quem já jogou Dragon Age quis pegar um personagem que não tinha como. O problema é que, ao fazer isso, você apaga a possibilidade de outras representações. Eu ainda acho muito divertido uma equipe como a do Dragon Age 2, uma família que briga muito, no estilo Guardiões da Galáxia, e que além de tudo a maioria é bissexual (contando os personagens que não são romance). Mas querendo ou não, há outras sexualidades que também deveriam ser representadas. Só em Dragon Age: Inquisition nós tivemos um personagem gay e uma personagem lésbica. Fazer todos os personagens bissexuais para que o jogador interprete como eles quiserem é uma forma de apagar a representação.
Por outro lado, mesmo que sem querer, a Bioware acabou nos entregando quatro personagens diferente um dos outros, interessantes e com arcos bem distintos. Talvez, exatamente por não estar pensando na questão da sexualidade, nós acabamos com um leque interessante de representatividade. Nenhum dos quatro fala qualquer coisa sobre ser bissexual, mas como eu já falei no primeiro texto, eles não precisam. Foi um alívio poder ver quatro personagens bissexuais que eram livres para ter outros problemas que não tivesse relação com suas orientações sexuais. Dos quatro, apenas uma delas tinha a sexualidade como algo mais evidente da sua personalidade. Com isso, ao contrário de Dragon Age: Origins, os dois romances que mais afetam a história principal não são hétero: Anders e Isabela.
Então vamos falar um pouco deles. Começando por Anders, um dos personagens mais polêmicos do fandom. Anders já tinha aparecido na expansão de Dragon Age: Origins, mas agora ele volta como um personagem próprio e não uma quase cópia maga do Alistair. Sim, eu sei, polêmica, mas em Awakening, mesmo gostando do personagem, Anders parecia muito um Alistair mago. No Dragon Age 2 o personagem volta com resquícios do que já tinha sido, mas com características muito mais próprias. E há uma explicação para a mudança: Agora ele tem o espírito de Justice, também de Awakening, dentro dele. Anders é um mago que fugiu do Círculo dos Magos sete vezes. Ele é totalmente anti templário, que quer libertar os magos de ficarem presos em um lugar sendo abusados por toda a vida. O problema, que faz muitas pessoas odiarem o personagem, é que cada ano em Kirkwall faz ele ser cada vez mais “os fins justificam os meios”.
Inclusive, um dos motivos que fez alguns caras do fandom odiarem o Anders é porque ele é o único romance que de fato expressa interesse pelo seu personagem antes de você flertar com ele. Como Anders é bissexual, isso acontece com qualquer Hawke, e teve muito cara revoltado com isso, por que na cabeça deles “Como assim esse cara tá dando em cima do meu Hawke homem?”. Olha, há motivos para criticar Anders, mas esse não é um deles, até porque se o personagem fosse uma mulher essas reclamações não existiriam.
Isabela é uma personagem que eu falo com alguma frequência, porque ela é uma das que eu mais amo da franquia toda. Ela é uma pirata que perde seu navio e acaba tendo que se refugiar em Kirkwall por um tempo. Isabela não se importa com a opinião dos outros, inclusive o que os outros fofocam sobre a vida sexual dela. A personagem tem várias falas incríveis e ela cresce muito ao longo da história, claro que depende das suas atitudes, mas dê uma chance para Isabela, ela é ótima. Há várias coisas que cabem de criticar na construção dela: Isabela usa roupas sexualizadas e é a única personagem negra (apesar de em outros países mais personagens não são lidos como brancos), então com certeza há clichês na personagem, mas ela nunca é reduzida a isso. Isabela cresce muito e se torna uma das personagens mais interessantes da franquia.
Além desses dois, há mais duas opções de romance no jogo. Merrill é uma maga elfa dalish (elfos que moram na floresta e buscam viver de acordo com seus costumes antigos), que usa magia de sangue para tentar reconstruir um eluvian, um artefato antigo da cultura élfica. No universo de Dragon Age, magia de sangue é algo muito mal visto por ser muito perigosa. Os elfos perderam muito de sua história quando foram escravizados por Tevinter, por isso Merrill acredita que vale a pena fazer isso. Eu acho que há umas derrapadas na construção de seu arco, mas se o jogador deixar a personagem falar, você entende porque ela toma essas escolhas. E é interessante que quando você encontra Merrill pela primeira vez, você dificilmente vai assumir que ela usa magia de sangue.
Por último, temos Fenris, um elfo que já foi escravo em Tevinter, portanto ele odeia magos. Ele não tem parte de suas memórias e por causa de todos esses traumas, ele se fechou muito. Fenris é um dos personagens mais mal humorados da franquia e é um dos mais difíceis de se aproximar, tanto para ser amigo quanto para ter romance. Não é para menos que ele também não é um personagem muito popular, mas eu particularmente gosto bastante do arco dele, de como ele vai lidando com seus traumas e aos poucos melhorando a forma como interage com os outros. Não são mudanças drásticas, mas faz sentido com o personagem. Fenris é difícil em vários momentos, mas ele traz uma visão que ainda não tínhamos visto na franquia.
Apesar da representação ser em parte apagada, a Bioware, sem querer, acabou acertando em alguns pontos. Eu gosto da maioria dos arcos de personagens de Dragon Age 2. Entendo as reclamações de não podermos falar com eles a qualquer momento, mas o fato de ter mais de uma missão para cada um dos personagens ajuda o jogador a conhecê-los melhor. Com todas essas escolhas, acabamos tendo quatro personagens bem diferentes e interessantes, todos eles bissexuais, com desenvolvimentos que em várias franquias acabamos só vendo em personagens héteros. Apesar dos problemas, eu gosto bastante de Dragon Age 2 e um dos maiores motivos para isso são os personagens.
No próximo texto, vou falar da representatividade LGBT+ no Dragon Age: Inquisition.